domingo, 17 de abril de 2016

Dilma e Temer negociam pessoalmente cada voto

• Câmara começa hoje a decidir destino da presidente 24 anos depois do afastamento de Collor e 13 anos após o PT chegar ao poder

Vinte e quatro anos depois do impeachment de Fernando Collor e 13 anos após o início da era PT, a Câmara começa hoje a decidir o destino da presidente Dilma Rousseff. Na véspera da votação do afastamento, com a disputa acirrada e de resultado imprevisível, Dilma e o vice-presidente Michel Temer cancelaram compromissos para se empenhar pessoalmente na busca por votos. A presidente recebeu deputados e telefonou para outros. Já o peemedebista voltou às pressas para Brasília, onde também se reuniu com indecisos. Caso aprovado, o processo irá para o Senado, que, se aceitá-lo, determinará o afastamento de Dilma por 180 dias. Por uma rede social, Temer disse ser uma “mentira rasteira” a acusação da petista de que ele acabaria com o Bolsa Família.

O duelo pela presidência

• Câmara decide hoje se autoriza abertura de processo contra Dilma, 24 anos após o impeachment de Collor

Catarina Alencastro, Cristiane Jungblut, Eduardo Barretto, Eduardo Bresciani, Evandro Éboli, Isabel Braga, Júnia Gama, Letícia Fernandes, Renata Mariz, Simone Iglesias e Tiago Dantas – O Globo

Vinte e quatro anos após o impeachment de Fernando Collor, o primeiro presidente eleito após duas décadas de ditadura militar, a Câmara dos Deputados decide hoje se autoriza a abertura de processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. A aprovação, que precisa do apoio de 342 dos 513 deputados, poderá deflagrar o fim da era de 13 anos do PT no poder. Levantamento feito pelo GLOBO indicava que, até ontem, havia 348 parlamentares a favor do impeachment e 127 contra; 38 se disseram indecisos ou não responderam.

Caso a Câmara dê o sinal verde para processar Dilma, o Senado precisará decidir nas próximas semanas, por maioria simples, se abre o processo, o que levará ao afastamento imediato da presidente do cargo por até 180 dias. Na luta pelo Palácio do Planalto, Dilma e o vice Michel Temer, que assumiria em seu lugar, passaram ontem o dia disputando pessoalmente, voto a voto, o apoio de parlamentares. Ao fim do dia, aliados de ambos diziam ter os votos necessários.

Dilma se reúne com governadores
A presidente arregaçou as mangas logo cedo: passou o dia telefonando para parlamentares ou recebendo-os em sua residência oficial, o Palácio da Alvorada. Ela desistiu de participar do ato com acampados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outros movimentos de moradia que defendem seu mandato — não queria prejudicar sua imagem nos setores conservadores do Parlamento dos quais também espera apoio

Dilma ficou reunida com seus ministros mais próximos e recebeu os governadores do Acre, Tião Viana (PT), do Ceará, Camilo Santana (PT), do Piauí, Wellington Dias (PT) e do Amazonas José Melo (PROS). Os quatro ficaram em contato com deputados de seus estados, pressionando-os para votarem contra o impeachment.

À tarde, Dilma foi ao seu gabinete no Palácio do Planalto, segundo fontes, para buscar um “mapa de votos”. Passou menos de uma hora no prédio e voltou para casa.

Com a voz rouca e aparência abatida, o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva representou Dilma no evento do MST e manteve contato, por telefone e pessoalmente, com deputados. No acampamento, Lula comparou as últimas negociações em busca de votos com a “bolsa de valores”, devido ao “sobe e desce” do placar do impeachment. O líder petista intensificou a ofensiva contra Temer e afirmou que o PMDB deve concorrer “nas urnas” em 2018:

— Parece a bolsa de valores, tem hora que o cara está com a gente, tem hora que não está mais. E você tem que conversar 24 horas por dia — afirmou o ex-presidente.

Hoje, Dilma ficará no Alvorada acompanhando a votação, ao lado de ministros, que, por sua vez, tentarão até o último momento obter votos. É provável que a presidente fale à imprensa após o resultado da votação.

Temer decide ficar em Brasília
Após uma viagem relâmpago a São Paulo, onde ficou pouco mais de 12 horas, Temer voltou ontem a Brasília ainda cedo, preocupado em não perder votos. Antes de embarcar, no fim da tarde de sexta-feira, Temer avisou: “se necessário, me chamem”. Necessário foi e, às 9h30m de ontem, ele já recebia uma romaria de parlamentares no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente.

Cerca de cem deputados, segundo a contabilidade de peemedebistas, acompanharam as conversas. O vice também resolveu permanecer em Brasília e acompanhar do Jaburu a votação de hoje. O plano inicial de Temer era ficar em São Paulo até amanhã.

Pivô de uma das muitas brigas entre Dilma e Temer, que disputavam seu apoio, o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab se aliou a Temer. Após entregar o pedido de demissão do Ministério das Cidades, sexta-feira à noite, Kassab circulava ontem pelo Jaburu. Mesmo com a saída de Kassab do governo, o clima no PSD não era de unidade. Há ao menos oito deputados a favor de Dilma; 28 são pelo impeachment.

Já o PR se dividiu ontem em dois encontros: um almoço na casa do ex-deputado Luciano Castro, que trabalha pelo afastamento de Dilma, e no flat onde mora Valdemar Costa Neto, presidente afastado da legenda. Os deputados que trabalham pelo governo garantiam ter 17 votos: 15 a favor e duas abstenções. Esses números são contestados pelos oposicionistas do partido, para quem Dilma terá no máximo dez votos no partido.

O presidente do PMDB, senador Romero Jucá (PMDB-RR), garantia ter mais que os 342 votos necessários para o impeachment. Jucá passou ontem três vezes pela portaria da residência oficial do vice-presidente. Criticou os deputados que pretendem faltar à votação e disse que é preciso ter “elegância para perder”.

— O dia foi movimentado por conta de boatos plantados pelo governo. Foi um ataque especulativo que não se sustentou. Estamos tranquilos e conscientes da nossa posição a favor da maioria do povo brasileiro. O resultado será favorável com uma boa margem — disse Jucá.

Dia de plenário esvaziado na Câmara
Ontem, o plenário da Câmara ficou esvaziado. O discurso mais inflamado foi do vice-líder do governo na Câmara, deputado Sílvio Costa (PT do B-PE), que fez um discurso veemente em defesa de Dilma. Ele cantou parte do jingle de campanha da petista (“Dilma, coração valente”) e disse ter “nojo” de Temer. Ao descer da tribuna, foi aplaudido pelos deputados do PT que, no plenário gritaram: “Não vai ter golpe!”.

Na oposição, o líder do DEM na Câmara, deputado Pauderney Avelino (AM), rebateu as declarações de Lula, que comparou a busca de votos a uma guerra.

— A guerra é válida dentro do limite da lei. Mas, quando ultrapassa essa barreira da legalidade, vira crime, é o vale-tudo, uma campanha sórdida — disse Pauderney.

Nos corredores da Câmara, deputados iam e vinham de encontros no Alvorada e no Jaburu. Já a oposição tentou constranger a ofensiva do Palácio do Planalto. Além de ações judiciais, os líderes dos partidos a favor do impeachment tentavam conter o trabalho de governadores das Regiões Norte e Nordeste contra o afastamento da presidente.

Governo oferece ministério do turismo ao PV
O governo tentou reverter apoio de bancadas inteiras, caso do PV, com seis deputados já fechados a favor do impeachment. Numa conversa no Planalto, foi oferecido aos verdes o Ministério do Turismo, mas o partido não aceitou.

Os líderes da oposição acertaram um procedimento para reduzir seus discursos e encurtar a duração da sessão de hoje. A ideia é que os debates terminem antes do início da tarde, para que a votação, marcada para começar às 14h, não atrase. Dos 170 inscritos da oposição, 67 que já falaram desistiram de discursar novamente. O número restante se igualaria aos cerca de 70 a favor de Dilma.

No governo, a estratégia ontem foi manter sigilo sobre os apoios conquistados porque, segundo um auxiliar presidencial, Temer voltou para Brasília para “partir pra cima” dos indecisos que resolveram votar contra o impeachment e dos que viraram o voto em favor do governo. A caça ao voto vai se prolongar durante toda a manhã de hoje e se estenderá durante a votação. Os governistas acreditam que há uma “onda pró-governo” e, ao fim do dia de ontem, contabilizavam um placar apertado: entre 171 e 172 votos contra o impeachment.

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