sábado, 16 de abril de 2016

'Golpe' é vingança, diz Cardozo; para Reale, 'golpe' é omitir país quebrado

Ranier Bragon, Débora Álvares, Isabel Fleck, Rubens Valente – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Na abertura dos três dias de debates e votação do impeachment no plenário da Câmara, o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, mirou em seu discurso de defesa de Dilma Rousseff, em tom inflamado, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que, segundo ele, promoveu um ato "em retaliação ao PT". A fala foi em seguida ao de Miguel Reale Jr., um dos autores da denúncia, que sustentou que o impeachment não é golpe. 'Golpe sim houve quando se sonegou a revelação de que o país estava quebrado'.

"Esse processo de impeachment, se aprovado por essa Casa, provocará uma ruptura institucional e uma violência sem par. (...) Esse processo teve início em um ato viciado, um ato nulo, um ato do presidente da Casa, em retaliação ao fato de o PT ter negado votos contra a abertura ao seu processo de cassação pelo Conselho de Ética. Essa retaliação viciou esse ato", discursou Cardozo, sob aplausos de petistas e governistas.

Cunha preside na manhã desta sexta-feira (15) a sessão de votação do impeachment de Dilma, que será concluída no domingo (17).

Em dezembro, o peemedebista autorizou a tramitação do pedido após fracassar negociação de bastidor com o PT para assegurar votos contra seu processo de cassação. Cunha responde no Conselho de Ética por ter afirmado, em depoimento à CPI da Petrobras, não ter contas no exterior. Posteriormente vieram à tona documentos de contas vinculadas a ele na Suíça.

Segundo Cardozo, houve "chantagem explícita" nas motivações que levaram Cunha a autorizar o andamento do pedido.

"Chantagem só tem uma qualificação, desvio de poder. (...) A decisão foi tomada a partir de uma ameaça clara, se trata do uso de uma competência legal, viciada, ofensiva. É nula a abertura desse impeachment, houve uma violência a lei. Ameaça e retaliação não são fatores decisórios para afastar um presidente da República", acrescentou Cardozo, em tom inflamado.

Golpe
O advogado-geral da União, que falou por 25 minutos, voltou a sinalizar que o governo pretende novamente recorrer ao Supremo Tribunal Federal alegando cerceamento de defesa. Ele pediu a Cunha –e ainda não obteve resposta– direito a fazer nova manifestação em defesa do governo no domingo.

Cardozo repetiu os argumentos apresentados na comissão especial do impeachment de que Dilma não cometeu crime de responsabilidade ao liberar créditos suplementares sem autorização do Congresso e nas chamadas "pedaladas fiscais" –empréstimos de bancos federais para pagamento de despesas do Tesouro.

O advogado-geral chegou a ironizar um dos pontos do relatório contra Dilma, que cita conversa dela com o então secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, como indicativo de ciência da presidente de irregularidades. "Ó diálogo sinistro, capaz de violentar uma Constituição", disse o ministro.

"Isso é golpe, é golpe", repetiu Cardozo, afirmando que "a história jamais perdoará aqueles que romperam com a democracia"

O advogado-geral também replicou discurso do governo e do PT de que o vice-presidente Michel Temer (PMDB) não terá legitimidade caso assuma o poder.

"Qualquer governo que venha nascer de ruptura institucional não terá legitimidade para governar perante à sociedade. E mais cedo ou mais tarde isso será cobrado."

Ao concluir, Cardozo gesticulava bastante, falando em voz alta.

"Eu quero concluir dizendo que é evidente que dentro desses fatos denunciados não há ilícito, não há dolo, e se essa Casa vier a seguir outro caminho, estará revelando um descompromisso profundo com a democracia. (...) Peço a rejeição da denúncia em nome da senhora presidenta da República, na defesa de seu mandado, na defesa do direito, na defesa da democracia, e na defesa do povo brasileiro, que merece respeito, que merece que seu voto seja respeitado."

O fim da fala foi acompanhada de gritos de "não vai ter golpe".

Miguel Reale Jr.
Em seu discurso, Miguel Reale Jr. disse que os deputados são os "libertadores" da população da "prisão de mentiras e corrupção" que se tornou o país. "Os senhores são os nossos libertadores dessa prisão que vivemos enojados no meio da mentira, da corrupção, da inverdade, de irresponsabilidade, do gosto pelo poder sem se preocupar com aquilo que vai acontecer na vida dos brasileiros, especialmente dos mais pobres", afirmou. "Os senhores são os nossos libertadores, os nossos libertadores", reforçou, gritando.

O especialista em direito sustentou que o processo de impeachment não é golpe, como argumenta o governo. "Golpe sim houve quando se sonegou a revelação de que o país estava quebrado. Golpe sim houve quando se mascarou a situação fiscal do país, quando a continuaram fazer imensos gastos públicos e tiveram que se valer de empréstimos de entidades financeiras controladas pela própria União para artificiosamente mascarar a situação do Tesouro Nacional", declarou.

"Ainda dizem e repetem que não há crime", continuou. Reale Jr. questionou então qual seria "o crime mais grave": "o de um presidente que põe no seu bolso uma determinada quantia ou aquela presidente que, pela ganância do poder, em busca da manutenção do poder, não vê limites em destruir a economia brasileira?"

Segundo o denunciante, as pedaladas e a assinatura de decretos autorizando gastos sem a autorização do Congresso levaram à configuração de um "crime de falsidade ideológica". "Apresentou-se um superavit primário falso. E vai dizer que isso não é crime? Que vir a esta casa solicitar que se afaste a presidente por sua gravíssima irresponsabilidade em jogar o país na lona é golpe?"

"O Brasil entrou no cheque especial e está falido", disse. "E por que foi possível fazer isso? Porque foi possível esconder essa realidade da população brasileira por meio das pedaladas."

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