sexta-feira, 1 de abril de 2016

Governo morto ainda vive – Vinicius Torres Freire

- Folha de S. Paulo

Quem "fecha os olhos para a defesa de valores como a democracia, a liberdade, a governabilidade" deixa de "defender o interesse nacional".

Poderia ser uma frase de Dilma Rousseff em um dos comícios em que prega o desmonte do cadafalso do impeachment. Mas isso era o que dizia ontem Renan Calheiros, presidente do Senado, cardeal do PMDB.

Durante março inteiro, Calheiros dizia sibilinamente que "preferia" não ter de presidir o julgamento da deposição da presidente. Ontem, Calheiros levantou o pau da barraca que parte de seu partido chutara na dita e propagandeada "superterça" de desembarque do governo.

Foi ainda um dia em que o governo conseguiu levar outro tanto de gente manifestante para as ruas, justo no 31 de Março de sinistra memória de um golpe de fato. Um dia em que o juiz Sergio Moro levou imensa bronca no Supremo.

O governo estertora e estrebucha, mas não está morto o bastante, digamos. A cena, porém, é horrível. Pode até causar algum revertério na animação dos povos dos mercados, que no mês de março voltaram às compras na feira de papéis baratos em ritmo que não se via fazia mais de uma década.

Também ontem, o governo de Dilma Rousseff corria na xepa, na tentativa de adquirir apoios, por cabeça e em pequenas baciadas, no PP, no PR e no PSD. Apertou as mãos do PMDB do Pará, de Jader Barbalho. Cortava cabeças de PMDBs de oposição em lugares como Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas).

Conab e Dnocs são duas instituições tombadas como patrimônio universal da fisiologia, moeda sempiterna do barganhão, assim como a Funasa e o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes).

É fácil perceber os efeitos desse loteamento desavergonhado, que gente ainda mais baixa que a do ministério anterior ocupe postos centrais da administração.

No curto prazo, não importa: pode dar esperança de sobrevida ao governo e ao cadáver do presidencialismo de aquisição, sempre mais podre e, no entanto, vivíssimo, até que nos empesteie de modo terminal, do que estamos perto.

Decerto é difícil interpretar a dança de Calheiros e mesmo de aliados seus no Senado.

"A partir de hoje, nesta reunião histórica, o PMDB se retira da base do governo da presidente Dilma. E ninguém no país está autorizado a exercer qualquer cargo federal em nome do partido", dissera na terça Romero Jucá, vice do partido.

"Não acredito que o PMDB, seja qual for o cenário, vá liderar uma corrente de oposição no Parlamento", dizia Calheiros, dois dias depois: ontem, quando ainda havia seis ministros do PMDB no governo. Quanto à cerimônia do adeus farsesco de terça-feira, o presidente do Senado a qualificou de "precipitada" e "pouco inteligente".

A possível morte, o eventual enterro de Dilma 2 e o possível nascimento de Temer 1 serão mais complicados do que se previa. De menos incerto sabe-se que a economia afunda em ritmo cada vez mais rápido, vide a receita federal de impostos, o crédito, o consumo, o salário e o emprego; que juros e inflação permanecerão altos pelo menos até passada a metade do ano. As ruínas se acumulam pelo caminho de quem ficar ou vier.

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