domingo, 17 de abril de 2016

O declínio de uma presidente por acaso

• Para aliados, Dilma colhe o resultado de um estilo centralizador e avesso à política, que a levou ao isolamento

Jeferson Ribeiro, Fernanda Krakovics e Catarina Alencastro - O Globo

Centralizadora, desconfiada e avessa a negociar com políticos, Dilma colecionou desafetos e despertou mágoas, admitem aliados. A fatura agora chegou. 

-BRASÍLIA - — Olá, internautas! Com essa frase Dilma Vana Rousseff tentava se apresentar aos seus seguidores na internet em maio de 2010. Àquela altura, ainda tateando o terreno movediço da política eleitoral, a petista era vista como um ser estranho no mundo político e era uma desconhecida entre os brasileiros, que só a viam como a “mulher do Lula”. Passados seis anos daquela estreia, a petista é conhecida dos brasileiros e rejeitada pela maioria, segundo as pesquisas mais recentes. Mas ainda é um corpo estranho para seus pares, que repetem como mantra: “ela não sabe fazer política.”

Essa avaliação não está restrita ao Congresso. No entorno da presidente, a avaliação corrente é que lhe faltou fazer política desde que assumiu. O efeito disso saltou aos olhos nos últimos dias, durante a busca incessante por votos contra o impeachment.

— Muitos dos votos que a gente poderia ter, negociando espaços no governo ou emendas, não conseguimos garantir porque, em algum momento, o parlamentar foi destratado por ela, ou teve um colega que foi. Ela nunca se importou em fazer política. Muitos votos contrários são de mágoa com ela — disse um integrante do governo que acompanhou Dilma na disputa de 2010.

No Congresso, uma das principais queixas é a de que o governo não honra compromissos.

— Um dos grandes problemas para a recomposição da base é a falta de confiança. Há muita raiva entre os deputados, inclusive entre os nossos, por acertos não cumpridos — disse um deputado do PT, a cinco dias da votação.

Até março de 2013, essas características não geravam maiores problemas, com Dilma surfando na onda de aprovação popular. Um levantamento do Ibope, de março daquele ano, mostrava que 63% dos entrevistados consideravam seu governo “ótimo” ou “bom”. A aprovação pessoal da presidente era de 79%, seu recorde. Nessa época, a Dilma “faxineira” não perdoava suspeitas de “malfeitos” de seus auxiliares. Em seu primeiro ano de governo, a presidente demitiu seis ministros após denúncias publicadas na imprensa. Àquela altura, nenhum partido aliado ousava questioná-la. A presidente era forte e popular.

Com o tempo, a aprovação foi diminuindo, e o tratamento dispensado aos aliados continuou piorando. Hoje, segundo o levantamento mais recente do Datafolha, apenas 13% da população consideram o governo “ótimo” ou “bom”. E 63% consideram a administração “ruim” ou “péssima”. No Congresso, o governo pena para reunir 172 votos a seu favor. Pior: partidos como PP, PMDB e PRB, que integram ou integravam o primeiro escalão, a abandonaram.

Tempos de guerrilheira
Presidente incidental, Dilma foi escolhida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como candidata em 2010 depois que o mensalão atingiu as principais lideranças petistas. Ela nunca havia disputado uma eleição. Nesses pouco mais de cinco anos, a presidente valeu-se do legado de seu antecessor, especialmente das conquistas sociais, ao mesmo tempo em que ensaiava voos próprios, desagradando a Lula e ao PT. A ameaça concreta de impeachment, e com ela a derrocada de um projeto de 16 anos de poder, conseguiu suspender as divergências entre criador e criatura, além de angariar o apoio do PT e de sua base social.

Na avaliação de aliados, a personalidade e a formação nas trincheiras da resistência à ditadura militar também ajudam a explicar o ambiente de desconfiança em relação à presidente e ainda seu isolamento pessoal e político.

Dilma é detalhista, centralizadora e testa cotidianamente seus funcionários e assessores para saber em quem pode confiar. Há inúmeros episódios em que a presidente fazia reuniões paralelas, dando orientações diferentes para dois grupos apenas para ver quem vazava informações. Quando descobria quem era o autor do vazamento desautorizado, ela escanteava o auxiliar.

Para assessores próximos, essa sistemática de trabalho vem da época da luta contra a ditadura, quando os aparelhos montados pelos movimentos de resistência ao governo militar eram divididos por células que não sabiam o que cada uma fazia. Isso fez também o entorno da presidente conspirar contra suas determinações.

Um assessor que despacha diariamente com Dilma conta que ela entra em disputas desnecessárias, apenas para ver seu ponto de vista prevalecer. Para ilustrar, contou que, há algumas semanas, a presidente discutiu longamente sobre o uso de uma expressão numa mensagem que seria divulgada.

A teimosia de Dilma, na avaliação de gente que trabalha com ela, é fonte de muitos dos problemas que o governo foi acumulando. Um assessor relatou que ela tem estado bastante focada na luta contra o impeachment, mas sequer passou por sua cabeça fazer uma autocrítica sobre o que a levou a essa situação.

— Sabe quando que ela vai fazer a autocrítica? Nunca, nem em seus momentos finais de vida — afirmou.

A administração de rédea curta, somada a relatos de xingamentos a assessores e ministros, difundiram ao longo dos anos a imagem de uma presidente autoritária, que não aceita ser contrariada ou compartilhar poder.

Isso também levou Dilma ao isolamento político. Desde 2011, contam-se nos dedos das mãos quantas pessoas gozaram de confiança plena da presidente. E mesmo esses caíram em desgraça em algum momento. Antonio Palocci, por exemplo, tinha superpoderes quando assumiu a Casa Civil. Antes de seis meses de governo, deixou a pasta. Dilma se amparou por um tempo no ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, mas considerava que ele vazava mais informações do que deveria. Dilma também confiou muito em Aloizio Mercadante, apontado no Planalto como incentivador das piores decisões políticas tomadas pela presidente durante seu mandato. Em setembro, quando saiu da pasta e voltou a comandar o Ministério da Educação, aliados comemoraram no Congresso.

— Ela reconhece que demorou demais para trocá-lo — contou um auxiliar muito próximo a Dilma.

Apenas o assessor especial Giles Azevedo a acompanha desde o primeiro dia de mandato. Ele é seu fiel escudeiro para quase tudo. Fora Giles, Dilma só dá ouvidos ao expresidente Lula, que tem reclamado há meses que a presidente não coloca em prática seus conselhos.

Solidão
Dilma também vive muito só, segundo relato de assessores. Quando passou a morar no Palácio da Alvorada, ela tinha como companhia a mãe, Dilma Jane, de 92 anos, e a tia Arilda. Mas a tia deixou de morar com a presidente depois que ela se reelegeu.

No Palácio do Planalto, auxiliares admitem que se esgotaram toda a credibilidade e o ânimo que as pessoas tinham para trabalhar com Dilma. Quem ainda está empenhado em lutar pela manutenção do governo o faz não por Dilma, mas pelo PT e o projeto político do partido, por Lula ou por discordar da legitimidade do impeachment, contou um auxiliar ao GLOBO.

A trajetória administrativa da presidente também foi recheada de polêmica desde 2011. Dilma foi eleita em 2010 difundindo a imagem de gerente, capaz de impulsionar os projetos de infraestrutura e os demais investimentos que o país precisava. Mas, ao longo do tempo, esse cartaz ficou rasurado devido ao atraso de obras e à demora nas licitações de ferrovias, rodovias e portos.

Com o passar do tempo, Dilma construiu outra imagem entre o empresariado e no mercado: a de intervencionista. Essa visão foi reforçada pela tentativa do governo de reduzir os juros e os spreads bancários, diferença entre os juros obtidos pelos bancos e as taxas cobradas dos clientes. Para isso, a petista usou os bancos públicos a fim de tentar implementar uma redução do custo dos empréstimos e, com isso, forçar as instituições privadas a fazerem o mesmo.

O setor elétrico, onde a petista era vista como especialista, também viveu um nó, principalmente depois que ela resolveu mudar a remuneração das empresas geradoras de energia, num ambiente de escassez hídrica, sem negociar as mudanças com o setor privado. As mudanças impostas pelo governo resultaram no aumento da tarifa para empresas e consumidores residenciais, aumentando os custos de produção e pressionando a inflação.

Mas Dilma também criou dois importantes programas na sua gestão: o Pronatec, que oferece vagas em cursos profissionalizantes, e o Mais Médicos, que ampliou o atendimento médico no país usando principalmente profissionais importados, em sua maioria, de Cuba. Na campanha eleitoral, ela prometeu expandir as duas iniciativas, mas depois de reeleita as dificuldades orçamentárias a impediram.

Renúncia
O que mais a presidente ouviu nos últimos meses foram conselhos para que renunciasse ao mandato e evitasse o desgastante processo de impeachment. A todos, segundo um assessor, Dilma disse que não considerava essa hipótese.

— Ela sempre diz: “Eu morro, mas não renuncio”. “Nunca passou pela minha cabeça.”

Dilma considera que lutou pela democracia, é uma pessoa honrada e que jamais terá seu nome diretamente envolvido num escândalo. Essa certeza fez com que ela interferisse menos do que aliados do Congresso gostariam na Operação Lava-Jato — apesar das denúncias em contrário do ex-líder do governo Delcídio Amaral.

Se a palavra renúncia não faz parte do dicionário de Dilma, o substantivo resistência é sua marca. Quase todo o entorno da presidente fica surpreso com a força dela para lutar contra o impeachment.

— Ela é muito briguenta, vira um leão quando é provocada — resume um ministro.

O que recentemente tem dado mais força à presidente, que perdeu 17 quilos desde 2011 com a dieta Ravenna e exercícios, são as cerimônias no Planalto, ambiente sem risco de hostilidades a ela, em que Dilma tem reunido movimentos sociais para defender o seu mandato. Na terça-feira, num ato com educadores, Dilma fez um dos mais duros discursos desde que a crise política eclodiu. Incitada pela plateia, a petista chamou o vice, Michel Temer, e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de “conspiradores” e “chefes do golpe”.

A cerimônia teve clima de estádio de futebol, com cantos contra os dois peemedebistas, e Hino Nacional interrompido no meio para ser cantado à capela pela plateia. Nesses eventos, a presidente é rodeada pela claque ao final, abraçada, beijada, requisitada para selfies e, invariavelmente, dá uma das suas tradicionais broncas nos seguranças que tentam cuidar da sua integridade física. Na terça, não foi diferente.

Essa resiliência é o que motiva os aliados e segura a onda do “tchau, querida”, frase usada nos cartazes dos deputados pró-impeachment no plenário da Câmara.

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