domingo, 17 de abril de 2016

Oposição aprende a enfrentar PT após 13 anos

• Estratégia errática dá lugar à convergência com grupos de rua pró-impeachment

Pedro Venceslau e Valmar Hupsel Filho - O Estado de S. Paulo

A narrativa do segundo processo de impeachment desde a redemocratização começa de forma difusa com as primeiras manifestações logo após o segundo turno das eleições de 2014, segue por um caminho tortuoso em 2015 que se consolida como épico nos últimos três meses, quando os movimentos de rua e os partidos políticos passaram a atuar de forma integrada e orgânica.

A estratégia errática da oposição e os projetos pessoais de poder de lideranças tucanas em vários momentos ameaçaram enterrar o movimento, mas ele se manteve vivo graças a habilidade do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em usar o regimento e cultivar aliados.

Quando o Congresso entrou em recesso no fim do ano passado, o clima na oposição era de pessimismo generalizado. “O momento mais difícil foi no fim do ano passado. Em outubro eu cheguei a achar que não aconteceria mais o impeachment. As manifestações de rua perderam força e o Cunha começou a negociar sua salvação com o PT”, diz o deputado Daniel Coelho (PSDB-PE), que integra a ala dos chamados “cabeças pretas” da Câmara.

Esse grupo, formado pelos deputados mais jovens, desde o início da atual legislatura atuou pelo impedimento à revelia dos caciques do PSDB. “Também havia o temor de que a judicialização deixasse o processo trancado no STF”, complementa o deputado Bruno Covas (PSDB-SP). Mas esses não eram os únicos obstáculos. Principal partido de oposição, o PSDB enfrentava uma cabo de guerra.

“O PSDB na Câmara enfrentou em 2015 uma guerra surda entre as bancadas da Câmara e do Senado”, lembra o deputado Mendonça Filho (DEM-PE), líder da oposição da Câmara. A divisão tucana era, na verdade, uma disputa entre caciques com projetos de poder distintos.

“O discurso foi errático. O PSDB é errático. O partido não foi claro em vários momentos e teve posições equivocadas”, diz o ex-governador Alberto Goldman, vice-presidente nacional do partido. Sociólogo por formação, o secretário de Desenvolvimento Social de São Paulo Floriano Pesaro, que reassumiu o mandato de deputado para votar hoje, resume o cenário afirmando que “venceu a teoria política” do senador José Serra (SP).

“O PSDB jogou em três frentes claramente definidas e combinadas entre os atores: (o senador mineiro) Aécio Neves apostou no julgamento do TSE sobre a cassação da chapa, o que levaria a novas eleições, José Serra ficou mais voltado para o impeachment e o PMDB, e (o governador) Geraldo Alckmin apostou que o governo cada vez mais enfraquecido levaria a uma vitória mais segura em 2018. De janeiro para cá, a frente do Serra se tornou a mais viável”, diz Pesaro.

A mudança mais brusca de estratégia do partido ocorreu no fim do ano passado, quando os líderes tucanos no Congresso anunciaram que o foco passava a ser, em 2016, o processo que tramita no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pode levar à cassação da chapa Dilma-Temer.

“Havia ali uma inflexão, um momento de baixa no processo de impeachment. Havia também uma dispersão naquele momento. Depois tudo se agravou e o impeachment passou a ter centralidade”, diz José Aníbal, presidente do Instituto Teotônio Vilela, braço teórico do PSDB.

A unificação do discurso, que só foi anunciada na semana passada, ocorreu após forte intervenção do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “O ex-presidente foi o grande maestro das três frentes que foram articuladas no partido”, conclui Pesaro.

Gatilhos. Quando Cunha rompeu com o governo e autorizou em dezembro a abertura do processo de impedimento, o Palácio do Planalto contava com força suficiente para barrá-lo. Além da divisão da oposição, os grupos de rua pareciam não ter fôlego para repetir as manifestações de março. E o recesso parlamentar serviria para esfriar os ânimos.

Para Mendonça Filho, dois foram os gatilhos que recolocaram o impeachment no jogo: a delação do senador Delcídio Amaral e a prisão do marqueteiro João Santana. Seus colegas de bancada acrescentam um terceiro elemento: o vazamento dos áudios do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia em que foi anunciado como futuro ministro da Casa Civil, o que abria uma possibilidade de reação do governo. “Foi a tempestade perfeita: crise econômica profunda, crise política, crise institucional e crise ética”, afirma o deputado do DEM.

Em 2016, os grupos de rua responsáveis pelas manifestações pró-impeachment finalmente uniram esforços em duas frentes: nas ruas e no Congresso, onde foi montada uma verdadeira ação de inteligência.

Os deputados passaram a informar aos ativistas do Movimento Brasil Livre os nomes e contatos de deputados indecisos. Diante da ameaça de ser alvo de uma ofensiva do grupo, uma deputada chegou a chorar em reunião com membros do Movimento Brasil Livre em seu gabinete. Em seguida, anunciou que mudou seu voto.

O MBL alugou uma casa em Brasília e instalou ali 50 membros da organização, que atuaram diariamente nos corredores do Congresso. Outro grupo, o Vem Pra Rua, enviou outros 50 integrantes para fazer o mapeamento dos indecisos.

Números de celulares de deputados governistas e indecisos foram passados para os ativistas, que passaram a pressionar os parlamentares por mensagens de WhatsApp.

Na madrugada de sexta para sábado, o MBL montou um quartel-general na liderança do DEM. O comitê pró-impeachment na Câmara adotou uma rotina de guerra. A oposição passou a fazer reuniões diárias, na qual os deputados faziam um balanço do cenário político, contabilizavam votos e coordenava a ofensiva sobre os colegas indecisos.

“Foi uma verdadeira ação de inteligência”, diz Renan Santos, um dos líderes do MBL. A atuação coordenada da oposição contrastava com a ação confusa da bancada governista.

O governo viu os líderes de partidos aliados perderem o controle sobre seus liderados e passou a atuar no varejo do baixo clero. O capítulo final da narrativa ainda está em aberto, mas a oposição finalmente aprendeu a jogar, após 13 anos.

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