sexta-feira, 8 de abril de 2016

Propina no caixa oficial desafia a Justiça

• Juristas divergem sobre provas para comprovar delação; empresas envolvidas doaram mais de R$ 50 milhões

Alessandra Duarte, Gabriel Cariello, Ruben Berta - O Globo

O uso de dinheiro de propina para fazer doações oficiais à campanha da presidente Dilma Rousseff, como delatado pelo ex-presidente da Andrade Gutierrez Otávio Marques Azevedo, criou um elemento novo no âmbito do Direito Eleitoral, que provoca divergências entre profissionais da área. A principal questão em debate versa sobre a validade destas doações de campanha como prova de crime eleitoral, já que foram registradas legalmente nas prestações de contas de cada candidato.

As principais construtoras responsáveis pelas obras da usina hidrelétrica de Belo Monte — que segundo as delações premiadas de Otávio Azevedo e do ex-executivo da Andrade Gutierrez Flávio Barra na Lava Jato combinaram pagamento de propina de R$ 150 milhões — estão entre as maiores doadoras das campanhas eleitorais.

Nas eleições de 2014, Andrade Gutierrez, Odebrecht, Camargo Corrêa e Queiroz Galvão, as quatro maiores empreiteiras do consórcio, doaram, juntas, pelo menos R$ 30,5 milhões para a campanha de reeleição da presidente Dilma Rousseff, e pelo menos R$ 20 milhões para a campanha à Presidência do senador tucano Aécio Neves.

Embora contabilizadas, as doações provenientes de dinheiro desviado são consideradas ilegais, segundo explica a procuradora regional da República e professora da FGV Direito Silvana Batini. A confissão, no entanto, é elemento novo no Direito Eleitoral, assim como as irregularidades no caixa oficial de campanha e o uso de informações provenientes de delação no processo eleitoral.

Ex-ministro do STJ e do TSE Gilson Dipp acredita que, em tese, a delação pode ser apreciada no processo eleitoral, mas ressalta que, por si só, o depoimento não constitui prova, sendo apenas um indicativo, de difícil comprovação:

— Em tese, qualquer prova que interesse pode ser apreciada, mas com cautela. É mais difícil até provar que um determinado recurso veio de propina do que não veio. Vai ter que ser indicada a fonte específica, provar que aquele dinheiro é proveniente de um acréscimo numa determinada obra. Isso para uma empreiteira que tem centenas de contratos.

Sócio fundador do Instituto de Direito Político e Eleitoral (IDPE) e responsável pela área eleitoral do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados, Eduardo Nobre também acredita que o conteúdo da delação poderá ser apreciado pelo TSE, mas haverá discussão sobre a validade ou não das informações no processo:

— Há uma primeira discussão, que será em relação a provas pré-constituídas. A defesa poderá alegar que a delação não poderia ser anexada nesse momento, já com o processo em andamento. Se o tribunal achar válido o novo indício, o delator será chamado para confirmar o conteúdo em novo depoimento — afirma Nobre, que acrescenta: — É difícil saber se a denúncia está embasada, mas pelo histórico das delações da Lava-Jato, é bem possível que haja elementos de sustentação.

Silvana, por sua vez, acredita que a delação pode ser considerada como prova:
— No processo penal, a delação, apenas, não serve de prova para a condenação criminal. Do ponto de vista eleitoral é diferente. Uma declaração dessa é uma prova testemunhal. Cabe aos autores da ação requerer a inclusão dessas informações se assim julgarem. O relator do TSE também pode pedir que essa prova seja juntada.

De acordo com a Constituição, se uma eventual cassação da chapa Dilma-Temer acontecer antes do fim do segundo ano de mandato, o presidente da Câmara assumirá o cargo e marcará novas eleições em até 90 dias.

Segundo a delação, homologada pelo Supremo Tribunal Federal, a Andrade Gutierrez usou dinheiro de propina para fazer doações legais à campanha de Dilma. A empreiteira tinha um caixa único, no qual entravam tanto os recursos legais, quanto recursos oriundos da propina de Belo Monte, usados para doações eleitorais.

Entre os doadores às campanhas presidenciais de 2014 do setor de construção e engenharia, apenas a Andrade Gutierrez foi responsável por 23,18% do total de doações, de acordo com levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas (Dapp) da Fundação Getulio Vargas (FGV), com base nas prestações de contas dos candidatos à Justiça Eleitoral.

Para a campanha de Dilma, a Andrade Gutierrez doou R$ 21 milhões; para Aécio, R$ 12,7 milhões. Já a construtora Odebrecht — que aparece como responsável por 6,07% de todas as doações a campanhas presidenciais em 2014, doou cerca de R$ 4 milhões para Dilma e aproximadamente R$ 5 milhões para Aécio.

A construtora Queiroz Galvão, com 3,61% do total de doações do setor para campanhas à Presidência em 2014, doou R$ 3,5 milhões para a campanha petista, e mais R$ 1,6 milhão para o candidato tucano. E a Camargo Corrêa, representando 1,74% do total de doações, aparece com R$ 2,1 milhões para Dilma e R$ 500 mil para Aécio.

Além dessas quatro maiores empreiteiras, outra empresa do consórcio construtor de Belo Monte que aparece como doadora em 2014 é a Galvão Engenharia. A empresa doou R$ 2 milhões para a campanha de Dilma. Não há registro de doação das outras seis empresas participantes (Mendes Júnior, Serveng, Contern, Cetenco Engenharia, Gaia Energia e Participações, e J.Malucelli).


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