domingo, 8 de maio de 2016

Caça ao privilégio – Editorial / Folha de S. Paulo

Enquanto sofre os efeitos mais lancinantes da bebedeira populista ocorrida de 2009 a 2014, o Brasil tem a melhor oportunidade em 16 meses de submeter-se a uma terapia eficaz de reabilitação.

O PT, artífice da farra e algoz da errática tentativa da presidente Dilma Rousseff de corrigir a rota no segundo mandato, está de saída. Uma nova maioria, em tese menos avessa à dieta prescrita contra a ressaca, aos poucos se consolida em torno de Michel Temer (PMDB).

Mudanças de hábito na política e na economia, entretanto, deixam de ser consenso à medida que suas consequências práticas começam a ser imaginadas pelos pacientes. Esse fato se torna dilema numa sociedade que ficou viciada em privilégios conferidos pelo Estado.

Se era vasta a rede de proteções casuísticas e exageradas no país, ela foi reforçada nos últimos anos. Começa no empresário beneficiado por crédito subsidiado, bloqueio de concorrentes e facilidades tributárias e chega ao profissional liberal favorecido por taxação amena.

Estende-se do estudante agraciado com meia-entrada e gratuidades ao servidor imune a demissões cujo salário é garantido a despeito de seu desempenho. Envolve do trabalhador estimulado a aposentar-se ainda relativamente jovem ao artista renomado que se financia com renúncia de impostos.

Até mesmo a mais eficiente política compensatória brasileira, o Bolsa Família, tem gorduras, segundo opinam pesquisadores associados à concepção e à implantação do programa. Poderia dar mais dinheiro a quem mais precisa se desligasse uma fatia de beneficiários em melhores condições de caminhar com as próprias pernas.

Fortaleceu-se a fantasia de um Estado paternalista e pleniprovedor a disfarçar a essência do contrato social, que é a obrigação mútua entre os indivíduos.

Quando um cidadão recebe um direito (ou um privilégio), outros são compelidos a custeá-lo. Na sociedade nascem e são consumidos os recursos materiais, e não no ente abstrato chamado governo, que não passa de um intermediário, embora crucial para o progresso ou para o fracasso dos povos.

A terapia para desamarrar o nó do desenvolvimento brasileiro exige, portanto, um programa geral de caça aos privilégios. Todos os atores, na proporção de seu poderio e de suas benesses, deveriam perder um pouco, em nome do bem coletivo que é a recuperação do crescimento e dos empregos.

Michel Temer, conhecedor dos percursos labirínticos do Congresso Nacional, precisa transmitir à nação a mensagem dura, mas leal, de que os sacrifícios necessários para essa transição serão democraticamente partilhados.

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