terça-feira, 17 de maio de 2016

De volta aos eixos - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

A chegada de Michel Temer à Presidência ainda vai sofrer muitos solavancos, sobretudo nesses 180 dias de interinidade. Apesar disso, a expectativa é de que as coisas comecem a entrar nos seus próprios eixos. A oposição será oposição, os movimentos sociais voltarão a ser críticos, os governistas votarão com o governo. Natural assim, óbvio assim, mas não vinha sendo nem tão natural nem tão óbvio nos últimos 13 anos.

Já imaginaram que fantástico? A CUT vai descobrir do nada, subitamente, que há mais de 11 milhões de desempregados na rua da amargura, precisando de apoio, de protestos e de uma gritaria infernal. Contra o presidente interino Michel Temer, claro, que nem emplacou uma semana inteira no poder.

A dócil e governista UNE e as corporações fortemente petistas que habitam o Ministério da Educação, e ensinam a história ao seu jeito às crianças e adolescentes do País, vão dormir mudas e surdas num dia, como em todos os anos de Lula e Dilma, mas acordarão de repente estridentes e todas ouvidos para denunciar que a educação está o caos que está e que o Fies – ora, ora – desviou uma dinheirama pública para escolas privadas. Culpa do Temer?

O MST, tão passivo diante da não reforma agrária de Dilma, ficará ativíssimo contra a mesma não reforma agrária de Temer. E vai correr para cavar, plantar e semear crises no campo, invasões de propriedades produtivas e interrupção das estradas por onde escoa a produção brasileira interestadual e para o exterior.

O MTST, mais recente no cenário nacional e na órbita petista, também vai descobrir todas as mazelas nacionais da noite para o dia: a recessão, a indústria no buraco, a quebradeira de lojas e restaurantes, a falta de investimentos urbanos. Certamente, por incompetência desse tal de Temer...

Governadores condescendentes com Dilma mostrarão as garras para reclamar da falência em cadeia dos Estados. Até aqui, responsabilizavam os antecessores, agora culparão o governo federal. Num estalar de dedos, descobrirão que o atraso dos salários, pensões e aposentadorias de gaúchos e cariocas, entre outros, é por causa de uma crise... nacional! Que Temer e Henrique Meirelles produziram desde quinta-feira!

A guinada é também dos neo governistas. Fiesp e Força Sindical, que tanto condenaram Dilma e defenderam Temer, estão na linha de frente contra reformas e CPMF. E vamos assistir ao PMDB, PP, PSDB, PSD, PTB, DEM, PPS e outros correndo para votar projetos que até semana passada se recusavam a aprovar para corrigir os erros de Dilma na economia. E por que mudaram? Ah, porque Dilma era uma coisa, Temer é outra coisa. Mas o País é o mesmo.

Esse País que está quebrado, com um rombo de mais de R$ 100 bilhões nas contas públicas, indo para o terceiro ano de recessão, com juros e inflação muito acima do razoável, milhões de pessoas sem salário e renda, zika, dengue, chikungunya e H1N1 fazendo uma festa e a Olimpíada atraindo olhares – e desconfiança – de todo mundo.

Se a questão ideológica prevalecer sobre a racionalidade e sobre a urgência de soluções, o Brasil vai continuar afundando e arrastando os mais pobres e desvalidos da rua da amargura para o poço do desespero. Jornalistas, artistas, juristas, economistas e políticos sempre dão um jeito nas crises, mas a tal “base da pirâmide” não pode esperar. É preciso um consenso nacional mínimo para as medidas mais emergentes, para as votações fundamentais, para o início da recuperação.

Foi para o vice Temer que a Constituição, pedra basilar da democracia, apontou depois da tragédia Dilma. Nova oposição, não se esqueça que quem pôs ele lá e dividiu alegremente o poder com o PMDB nesses 13 anos foram vocês. Agora, aguentem, para o bem do País.

P.S.: – Quem deve estar gostando é Fernando Henrique. Antes, tudo era “culpa do FHC”. Agora, a culpa toda é do Temer

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