sábado, 21 de maio de 2016

Entrevista. Fernando Henrique Cardoso

‘Se o governo for para o lado errado, PSDB sai’, diz FHC

• Ex-presidente, que lança segundo volume de ‘Diários’, diz que Serra se fortalece para uma nova candidatura ao Planalto

Pedro Venceslau e Tonia Machado - O Estado de S. Paulo

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso avalia que o tucano José Serra, atual ministro das Relações Exteriores, se fortaleceu rumo a uma candidatura à Presidência em 2018. “Serra foi lá, tomou posição e se projetou. Ele ganhou mais força. Mas 2018 ainda está longe.”

No segundo volume de seu Diários da Presidência, que será lançado na próxima semana, FHC comenta a relação com o PMDB em seu governo. Em entrevista ao Estado, ele chama de “mito” o caso da compra de votos pela PEC da reeleição, que também é abordado no livro. Com o PSDB na base da gestão peemedebista de Michel Temer, FHC vê o sinais se inverterem e diz que o tucanos podem deixar o governo se ele “for para o lado errado”.



• O PMDB sempre pressionou os governos por cargos. Temer será pressionado pelos tucanos?

O PSDB tem três ministérios, mas muitos partidos da base atual já estavam antes no governo e estão aumentando sua participação. O PSDB vai ficar um pouco nervoso com isso. Relativamente, o partido vai ficar com muito menos que os outros. Mas não acho que o PSDB vai recuperar poder simplesmente tendo cargos no governo. Poder se recupera com mensagem. Se o governo for para um caminho que achamos errado, então o PSDB sai. O governo é destino inevitável para quem participa do atraso. Se o PSDB se confundir inteiramente com a política, ele vai ter problemas. Isso vale para o governo. O presidente Temer tem que negociar com o Congresso, mas ter cuidado e explicar isso para a sociedade.

• O sr. diz no livro que a pressão do PMDB por cargos cheirava mal. Por quê?

Havia muita pressão, sobretudo sobre o Sérgio Motta (ex-ministro das Comunicações). Brigavam muito com ele. Falei nesse sentido. Queriam me impor e eu não queria isso. O que eu crítico é o estilo do ‘tem que dar’.

• O sr. aborda no livro a suspeita de compra de votos para a emenda da reeleição, em 1997. A posse do Eliseu Padilha e do Iris Rezende, ambos do PMDB, no seu governo aconteceu logo depois da aprovação da PEC...

Mas não há nenhuma relação, pois eles eram todos favoráveis. A PEC da reeleição no Senado foi uma barbada: 80% a favor. Criaram um mito, que é a compra de votos. Houve acusações. Dois denunciaram. Mas quando a informação chegou a mim, eu disse para cassar logo o mandato. Não tínhamos nada a ver com aquele negócio. Não precisava. Todos os editoriais de jornais eram a favor. E as pesquisas idem. Os que eram contra eram candidatos à Presidência: o Maluf e o Lula. Eu custei a aceitar a ideia de reeleição para mim. Tinha muitas dúvidas se valia a pena. É muito duro governar.

• No primeiro volume, o sr. diz que Temer era um político “dos mais discretos”, mas também tinha seus interesses...

Sim, como todos os políticos. Isso é uma coisa que as pessoas precisam entender. Ele (Temer) até me telefonou dizendo que não se lembrava do episódio que o Luís Carlos Santos me pediu (uma nomeação). Mas isso é uma coisa normal. É do jogo partidário. Todos fazem negociação.

• Por que o sr. resistiu a nomear o Padilha?

Era um bom rapaz, mas eu não gostava da maneira que eles estavam pressionando.

• O José Serra estava em uma posição periférica no PSDB em relação ao Geraldo Alckmin e ao Aécio Neves que, como ele, pretendem disputar a Presidência em 2018. Agora que está no Itamaraty, ele ganhou mais força para ser o candidato tucano?

A medir pelas semanas iniciais, sim. Ele tomou posição. Eu sempre digo que o problema dos nossos partidos é não tomar partido. Serra foi lá, tomou posição e se projetou. Ele ganhou mais força. Mas 2018 ainda está longe.

• Na posse no ministério, Serra disse que a política externa do governo anterior seguia a ideologia de um partido. Concorda?

A política externa anterior não era tão diferente do que foi a minha. Alguns analistas mostram que a diferença era mais de tom. Mas eles (Lula e Dilma) criaram uma rede partidária (nas relações internacionais). Por isso houve perda de espaço para o Brasil na América Latina e a predominância do chavismo.

• A OEA criticou o processo do impeachment. O que achou?

O secretário-geral da OEA diz que houve golpe. A Unasul também. Isso é um dano para o Brasil e deve ser recuperado.

• O que achou da repercussão internacional negativa sobre o impeachment em veículos de imprensa como o New York Times?

O PT criou uma narrativa do golpe que pega mais lá fora do que aqui dentro. Para os objetivos deles, esse discurso foi bom, mas não se sustenta com o tempo. Essa é uma narrativa que confunde, pois ela é fácil e não precisa explicar muito. Você viu o que houve no Festival de Cannes? Aquilo repercutiu momentaneamente, mas a presidente está na casa dela (no Palácio da Alvorada). Dilma ainda será Presidente da República até que o Senado vote a decisão final. São precisos 3/5 dos votos para sair em definitivo. É muito difícil. Por que o NYT fez isso? Porque a Constituição dos EUA é diferente da brasileira. Nos EUA o perjúrio dá impeachment e ela não cometeu perjúrio, mas cometeu crime de responsabilidade

• Parte do PSDB acha que Dilma não poderia continuar morando no Alvorada nesse período de 180 dias. Qual a sua opinião?

Ela deve ficar lá. Dilma é presidente até que o Senado decida o contrário. Essa visão é mesquinha. Ela merece pessoalmente o meu respeito.

• Esse centrão que está se formando no Congresso pode levar o PSDB a ser coadjuvante?

Ou o contrário. O PSDB pode ser opor a isso. O PT e o PSDB tiveram uma polarização desnecessária. Por razões eleitorais o PT achou que o inimigo era o PSDB e nenhum dos dois foi majoritário no Congresso. Ambos tivemos que conviver com o atraso. Com Temer é a mesma coisa.

• O sr. fala no livro de um encontro com o Lula em 1998 no qual ele foi apresentar uma agenda. No final o sr. parecia animado...

Foi meio escondido. O Lula pessoalmente sempre foi mais aberto que o PT. Mas estranhamente o Lula, que foi oito anos presidente, me telefonou apenas uma vez (no governo dele) e foi para me convidar para o enterro do Papa (João Paulo II). Não tomei nem um café com ele. Minha atitude foi muito diferente. Ofereci uma casa para ele na transição, a Granja do Torto. Comi um churrasco com ele lá.

• Foi um erro do Temer montar um ministério só de homens brancos e sem mulheres?

Era melhor ter (mulheres). Os problemas identitários são cada vez mais presentes na agenda política contemporânea. É importante ter mulheres, negros e jovens. Mas não se pode pedir para um governo feito às pressas que tudo seja atendido. O sistema político, partidário e sindical é machista.

• A bancada do PSDB se colocou contra a recriação da CPMF e os tucanos não aprovam a criação de novos impostos. Será o primeiro confronto com Temer?

A CPMF ajuda a controlar o sistema financeiro. Algum imposto o governo terá que aumentar, pois o déficit é enorme. A arrecadação caiu e continuará caindo porque a economia não retoma.

• Há um debate no governo sobre se a reforma da Previdência valeria para quem já está no mercado de Trabalho ou só para quem vai entrar. O que o acha?

É lastimável que não tenham aprovado no meu tempo. Perdemos por um voto a idade mínima. Quando você olha a pirâmide etária e a questão da Previdência, é lógico que precisa trabalhar mais tempo. Quando perdemos a idade mínima, criamos o fator previdenciário. Derrubaram duas vezes e refizeram. Não tem como não fazer. O PSDB errou ao apoiar.

• Em São Paulo, Alckmin apoiou João Doria nas prévias da capital e isso causou um racha. O sr vai subir no palanque dele?

Nunca subi em palanque nenhum, nem quando era presidente. Fui favorável à (pré) candidatura do Andrea (Matarazzo) e pedi ao governador que mantivesse a neutralidade Ele insiste que não tomou partido, mas parece que tomou. Se tomou, criou um problema para ele mesmo. Eu disse para o Andrea não sair (do PSDB) e esperar a convenção. Se ele saiu, não posso apoiar quem está fora, A lei não permite. A situação é delicada.

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