domingo, 22 de maio de 2016

Governo recua, recria MinC e artistas comemoram

• Presidente desiste de extinguir o Ministério da Cultura, com receio de desgaste causado por protestos

Os protestos da classe artística surtiram efeito e o presidente interino, Michel Temer, desistiu ontem de extinguir o Ministério da Cultura. A pasta voltará a existir oficialmente amanhã e o secretário Marcelo Calero será o titular. Foi decisivo em mais um recuo de Temer o receio de que o desgaste de seu governo se prolongasse diante da artilharia dos artistas. Apesar de comemorarem a decisão, produtores e atores ressaltaram que as críticas ao governo vão prosseguir.

Na Cultura, mais um recuo

• Pressionado por protestos de artistas, Temer desiste de extinguir ministério

Isabel Braga, Leticia Fernandes, Alessandro Giannini e Leonardo Lichote – O Globo

-BRASÍLIA, SÃO PAULO E RIO- Depois de muita polêmica e protesto, que incluiu a ocupação de prédios públicos, o presidente interino Michel Temer, em novo recuo, decidiu recriar o Ministério da Cultura. Uma medida provisória deve ser editada amanhã com a volta da pasta. Temer ligou ontem para o ministro da Educação, Mendonça Filho, que anunciou a mudança. A Cultura estava, como secretaria, sob o guarda-chuva do MEC. Com a decisão, o secretário da pasta, Marcelo Calero, passa a ministro.



Temer decidiu rever sua decisão de extinguir o ministério depois de avaliar, e ouvir auxiliares próximos, que o desgaste iria se prolongar e continuaria sob pesada artilharia da classe artística. O presidente pesou prós e contras e entendeu que seria melhor ser acusado agora de mais um recuo no seu governo e assim, acredita, encerrar o assunto.

— Não queremos que a fusão (revista) vire mote de exploração política de grupos radicais. O presidente me ligou hoje de manhã (sábado), conversamos e ele tomou a decisão de recriar o ministério. Vai editar uma MP (medida provisória) na segunda, e na terça o novo ministro toma posse. Trabalharemos de forma integrada, até porque os valores da educação são os mesmos da cultura — disse Mendonça Filho.

O ministro disse não considerar uma derrota pessoal nem de seu partido, o DEM, a retirada da Cultura de seu ministério. Para ele, não é a existência de um ministério específico para a cultura que vai garantir a valorização do setor, mas, sim, medidas concretas.

A decisão não foi unânime dentro do governo. O ministro Geddel Vieira Lima, da Secretaria de Governo, disse nas redes sociais que foi contrário à volta do ministério. “Fui vencido internamente. Como governo, defendo a decisão adotada”, afirmou Geddel.

Antes de uma reunião ontem, em São Paulo, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que a decisão de Temer de voltar com o Ministério da Cultura não atrapalha os planos do governo de reduzir os gastos. — Não houve qualquer alteração — disse. O ministro do Planejamento, Romero Jucá, explicou que a decisão de recriar a pasta foi uma iniciativa pessoal de Temer e rechaçou a expressão “recuo”.

A decisão de Temer foi criticada também por parlamentares da base do novo governo. O deputado Paulo Martins (PSDB-PR) classificou a decisão como equivocada e diz que ela fragiliza o governo.

— Ao recuar por pressão de grupos, o governo demonstra estar carente de solidez em suas posições. Outros incomodados podem se reorganizar para retomar as posições que perderam — disse Martins.

Juca Ferreira, que foi ministro da Cultura no governo da presidente afastada Dilma Rousseff, disse que a decisão de Temer em rever a extinção da pasta revela uma irresponsabilidade da gestão do peemedebista:

— É uma revelação da irresponsabilidade inicial em acabar com um ministério sem fazer avaliação do que isso significaria. Depois eu ressaltaria a vitória dos artistas, trabalhadores e gestores de cultura que resistiram à destruição do MinC.

Integrantes do PMDB, partido de Temer, saíram em defesa do presidente. Líder da legenda no Senado, Eunício Oliveira (CE) disse que foi uma decisão acertada, mas afirmou que a recriação do ministério poderia ter acontecido antes.

— Acho que não desgasta (o governo Temer), é reconhecer que havia necessidade de refazer o ato e o ato foi refeito. Podia ter sido mais rápido até — afirmou o peemedebista.

A notícia da recriação da pasta foi recebida como positiva por artistas e produtores culturais que vinham se manifestando contra sua extinção. Mas nem sempre com o mesmo entusiasmo. Se uns celebram o recuo do governo como uma conquista da sociedade e veem com otimismo a futura gestão de Marcelo Calero, outros preferem observar a medida com cautela.

As ocupações em prédios públicos da Cultura, que vinham acontecendo desde o dia 16 e chegaram a 18 cidades, não devem ser esvaziadas. Os participantes dizem que não reconhecem o governo interino. A repercussão do movimento foi forte e é atribuída como uma das causas do recuo de Temer. Vários artistas aderiram ao Ocupa MinC, como Erasmo Carlos e Caetano Veloso, que fizeram shows no Edifício Gustavo Capanema, sede da Funarte no Rio, na sexta. Caetano também escreveu um artigo para o GLOBO no domingo passado criticando o fim do ministério.

A produtora Paula Lavigne, diretora-presidente da Associação Procure Saber (APS), da qual Erasmo e Caetano fazem parte, também vinha atuando na campanha em favor da volta do ministério. Com a pasta recriada, ela diz que o Procure Saber deve sair das ocupações (“Ainda não nos reunimos, é cedo para dizer, mas a tendência é essa”).

“Demonstração de força da sociedade civil”
Paula, por sua vez, se mostra satisfeita com a decisão do presidente interino:

— Estamos contentes. Como o Caetano falou, o MinC é do Estado, não é de nenhum governo. Calero chegou bem, procurando as pessoas, querendo conversar — afirmou, ressaltando que “a cultura não é um custo desnecessário para o Estado”. — Somos geradores de empregos, pagamos impostos, participamos para a riqueza do país, não só da imaterial, da alma, mas principalmente da material. É um setor importante da economia que também sofre com a crise. A indústria criativa não pode ser tratada como coisa de vagabundos. As pessoas que dizem isso não têm a menor noção. Pensam que é showzinho, não sabem que existe um patrimônio histórico, bibliotecas, museus.

A atriz Fernanda Torres segue com dúvidas sobre a capacidade de produção do ministério:

— Acho que ele vai manter o esqueleto, para que nas próximas eleições alguma coisa volte a acontecer. Nada de concreto vai ser feito nesse governo. Isso se o Temer conseguir se sustentar, porque a pressão é grande. Eu não sei se os artistas anti-Temer vão dar um voto de confiança ao governo dele. Na verdade, eu não conheço ninguém pró-Temer. Conheço pessoas que acham que é preciso marcar novas eleições.

Presidente da Associação dos Produtores de Teatro (APTR), entidade também engajada na campanha “Fica MinC”, Eduardo Barata considera a decisão uma vitória:

— Ela demonstra a força da sociedade civil organizada. Mostrou que, independentemente de pessoas legitimarem o governo ou não, estamos num estado de direito democrático. O governo cedeu à pressão da sociedade civil organizada. Significa uma retomada de diálogo, porque até agora o governo provisório vinha demonstrando uma extrema má vontade.

Ressaltando que não conhece o trabalho de Calero (“Não sei o que dizer sobre ele”), a cineasta Anna Muylaert pondera que é importante saber “que tipo de MinC vai voltar”:

— Não sei se vai ser o mesmo do (Gilberto) Gil ou do Juca (Ferreira). Eles descentralizaram a Cultura, principalmente o cinema. A volta do ministério no governo Temer não sei como vai ser.

Alguns representantes do setor veem na recriação do MinC indícios da fragilidade do governo. “Agora é pressão diária para derrubar o traidor!”, postou o roteirista Paulo Halm no Twitter. “Razão a mais para pressionar e protestar”, escreveu Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação do governo Dilma, no Facebook. (Colaboraram Silvia Amorim e Natasha Mazzacaro)

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