terça-feira, 24 de maio de 2016

Nossa história em quadrinhos - Arnaldo Jabor

- O Globo

A mão de Marinho embolsa três mil reais. Lula e Dilma sujam as mãos de petróleo (em todos os sentidos). A mão de Marinho apontando para o mensalão. Jefferson cantando ópera. Jefferson e Dirceu em duelo no Congresso: “Sai, Dirceu”. Lula dá entrevista em Paris, sem saber de nada.

Erenice Guerra ri com todos os dentes na Casa Civil. Carlos Lupi, ex-faxinado, beija a mão de Dilma: “Eu te amo, Dilma!”. O olho roxo de Jefferson. Mantega sorrindo: “Temos uma nova matriz econômica”. Flash para a frente: 11 milhões de desempregados marcham pelas caatingas e pelos pampas. A refinaria de Pasadena, lata velha enferrujada com dístico: O Petróleo É Nosso (i.e. do PT). A folha de papel que Dilma não leu – preço: 1 bilhão e 200 milhões de dólares.


Outras refinarias: Abreu e Lima (de 8 para 20 bilhões), sócia do Chávez, que deu calote. Rosto do ‘cumpanheiro’ Chávez no imenso retrato que Maduro deu a Dilma. Passarinho canta no ouvido de Maduro. Um Land Rover novinho com a estrela do PT. O jardim do Alvorada com estrela do PT. O substantivo inventado para o povão entender: presidenta. Joaquim Barbosa dá porradas na trêmula figura de Lewandowski. Delúbio fazendo o V da vitória. Bolsonaro faz saudação fascista. 

André Vargas, Dirceu, Genoino fazem a saudação comunista. Marco Aurélio Garcia bate as mãos fechadas para a oposição, toc toc toc. A deputada Ângela Guadagnim, do PT, dança rock na Câmara. A cara de profunda seriedade de Delcídio do Amaral na CPI dos Correios. A cara de Delcídio em desespero, dentro do banheiro, arrependido, se esbofeteando no espelho. Os cabelos brancos de Delcídio, os negros cabelos de Lobão, organizando o Eletrolão, que vem aí. 

O penteado da Dilma, crista de galo tremula sobre seus olhos, luzindo de delirantes certezas absolutas. Dilma emagrecendo sem parar – fome zero? Dilma andando de bicicleta, com capacete de frango da Sadia, na imensa solidão de Brasília. Lula com chapéu de cangaceiro dançando xaxado, sem saber de nada, nunca. Lula na alegria roceira das festas caipiras obrigatórias, com ministros constrangidos de chapéu de palha. Duzentos mil dólares rolam de dentro de uma cueca. “Essa cueca não é minha! Só uso zazá!” Rui Falcão e seu triste rosto com saudades dos bons tempos soviéticos. Stédile berrando: “Façam filhos; eles vão conhecer o socialismo!”. MST arrasa agroindústria – a alegria de mulheres de rosto tapado, destruindo laboratórios.

Foto do passado: mão de petista planta vassoura-de-bruxa em Ilhéus e acaba com a “reacionária produção de direita” de cacau. Corpo caído de Celso Daniel que, conforme versão oficial, se suicidou. Oito testemunhas do suicídio de Daniel, mortos um a um. Frase de Trotsky: “Quem disse que a vida humana é sagrada?”.

Coincidência. As carantonhas de negaças: “Não, não fui eu, mentira indigna, minha honradez, meus filhos, são aleivosias contra minha vida sem mácula, nunca, jamais”. Nunca ninguém assumiu nada. Quando veremos um cara berrar: “Sim, eu sou um canalha!”. Só o herói Jefferson o fez, salvando o Brasil. Brasília é um santuário, deputados pendurados na catedral, junto aos anjinhos de Ceschiatti. O rosto de Dirceu envelhecendo em slowmotion – pena do Dirceu. Rosemary Noronha deita a cabeça no ombro de Lula, que não viu nada – “quem será essa mulher com a cabeça no meu ombro?” Maluf abraçado em Lula passa a mão carinhosamente no rosto de Haddad. Dilma se abraça com Collor. Um Lamborghini amarelo flutua sobre os jardins da Casa da Dinda. A barriga imensa do Ricardo Pessoa da UTC rolando em Brasília, a corrupção estampada na roupa e na barriga, conduzido pelo japa bonzinho.

Os rostos pálidos dos denunciantes, eles mesmos impressionados com a bacanal que promoveram no País. O olho de Cerveró girando em busca de nosso futuro caolho. A progressiva evidência de que não há inocentes; todos são cúmplices. Políticos de cuecas nas bacanais na casa da mãe Joana, com a cafetina ameaçando:

“Se algo me acontecer, as agendas serão abertas...”. Os sobrinhos de Lula, os amigos dos filhos de Lula, os pedalinhos de Lula, as escrituras laranjas de Lula. E as pedaladas de bilhões? Grandes propinas seguem a máxima famosa de Quércia: “10% é pra garçom”. O pobre Joaquim Levy, vagando como um padre triste tentando organizar o orçamento. O ousado chiclete na boca de Mônica Moura (Santana), sorrindo e mascando com a certeza de que nunca iria em cana. Foi. 

A foto de Lula no apartamento triplex, discutindo a decoração com Léo Pinheiro, presidente também da nova ala da empresa: “OAS – Casa e Decorações”. Pátios de indústrias fechadas, balcões vazios. Temer à beira de um buraco de R$ 170 bilhões, com o Cunha agarrado no seu pé. As sete vidas de Eduardo Cunha, mandando na Câmara de longe, com sua extraordinária personalidade, que é caso para estudos clínicos de psicopatia. Imensas latas de carne enlatada que Cunha vendeu na Suíça, de porta em porta. Cunha e a importância para historiadores do futuro por seu grande mérito: sintetizou, escrita no próprio corpo, a história da trágica chanchada brasileira. Cunha chegará ao argumento final de defesa: “Eu não sou eu!”. 

Panelas batendo. A bunda da miss Bumbum sambando no Ministério do Turismo. Será que fazem de propósito para nos escandalizar? E a incrível invasão dos pixulecos, a maior dor para o narcisista Lula, que sempre sonhou com sua ex-imagem futura perfeita e que hoje pode ir em cana.

E os palavrões sonoros nas escutas? E o papelzinho para nomear Lula para a Casa Civil? E a emocionante dedicação, a ardorosa defesa que Jose E. Cardoso fez da presidenta em agonia? E Lula, no discurso da saída de Dilma, ao fundo, imperceptível, quase tapando a cara para não ser visto.

E tudo culmina na imagem de um imenso bigode atrás do qual se pendura um ogro medieval, a patética figura de nossa ignorância secular: o brasileiro real, Waldir Maranhão.

Será que dá para salvar alguma coisa, ou nosso destino é realmente o brejo? Que será que vai nos acontecer? Provavelmente, nada.

E minha vida vai passando... Ainda bem que vou morrer um dia e não verei mais essa merda.

Um comentário:

  1. Paulo Mendes Campos quando estava perto de morrer escreveu crônicas maravilhosas. A proximidade da morte inspira os artistas. Vou começar a dar mais atenção ao Jabor.

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