segunda-feira, 16 de maio de 2016

Os testes da Presidência - Marcos Nobre

• O governo está entre Serra e Meirelles

- Valor Econômico

Seis dias antes da votação do impeachment na Câmara dos Deputados foi vazado um áudio em que Michel Temer dirigia uma "palavra à nação brasileira" como se a votação já tivesse ocorrido. Na esfera pública, teve efeito desastroso. Apenas aguçou a sensação generalizada de oportunismo e virou objeto de chacota. Mas o áudio tinha de fato outro destinatário. Dirigia-se a uma parcela dos deputados que tinha pulado para o barco do impeachment, mas que estava perigosamente insegura.

Colocar-se na posição de estadista era decisivo para que Temer conseguisse acalmar uma parte do baixo clero que queria muito fazer o papel deplorável que afinal fez, mas que não queria apenas ter a certeza de que não iria perder. Precisava também se assegurar de que teria como mostrar para suas bases um tipo "presidencial", como se diz nos filmes. Escolher a voz sem a imagem servia perfeitamente ao propósito. Torna o pronunciamento mais solene, ao mesmo tempo em que mais discreto. Dá um ar retrô de "Voz do Brasil", perfeitamente em acordo com o estilo vetusto daquele que decidiu reinaugurar o bordão "Ordem e Progresso" como slogan de governo.

Foi o primeiro teste de Temer. No áudio, o atual presidente interino declarou: "Devo dizer aos que me ouvem que eu fiz muitas viagens internacionais no primeiro mandato. E verifiquei o quanto os outros países que tem muito dinheiro em suas mãos, querem fazer, aplicando no Brasil. Ou seja, querem acreditar no Brasil". A ideia da autoridade que vai restaurar o crédito ajudou a acalmar o baixo clero temeroso da Câmara e a consolidar o bloco do impeachment.

O segundo teste veio durante a montagem do ministério. O presidente interino mudou nada menos do que 4 vezes de posição em relação à concepção de conjunto da equipe. Como a atual presidência parece confundir balões de ensaio com vazamentos descontrolados, quem acompanha política descobriu um presidente hesitante e vulnerável a pressões mais do que previsíveis. Com o novo ministério, conseguiu até agora apenas rejeição. Não bastou realizar uma troca simples de PT, PDT e PCdoB por PSDB, DEM e PPS, mantendo todo o resto como estava. A troca envolveu ainda branqueamento e masculinização. Como presidente da república, Temer continua a operar como presidente do PMDB.

O que pode se revelar um grande problema quando vier a enfrentar aquele que será o terceiro teste de sua presidência, o confronto aberto entre ministros de seu governo. Não há governo que escape à regra, a diferença é apenas de encaminhamento da disputa. Mesmo sendo muitos os interesses e grupos, a regra diz que se formam sempre dois polos aglutinadores. Um governo com mais de dois polos, ou que não consegue estabilizar a luta entre seus dois polos, encontra sérias dificuldades para se viabilizar.

E a disputa se dará em torno daquele mesmo ponto já ressaltado no áudio vazado. No discurso de posse após o afastamento de Dilma Rousseff, Temer repetiu que o "mundo está de olho no Brasil. Os investidores acompanham com grande interesse as mudanças em curso no país. Havendo condições adequadas, a resposta deles será rápida, pois é grande a quantidade de recursos disponíveis no mercado internacional e maiores ainda as potencialidades do nosso país". O diagnóstico diz que a arrecadação não vai dar nem para o básico do funcionamento do governo e que o crédito no país está apertado. Se crescimento houver, terá de vir de recursos para investimento de fora do país (incluindo os recursos de brasileiros no exterior).

A disputa real dentro do governo será por esses recursos. Foi em torno deles que se armou o ministério de Michel Temer. Estão no ringue Henrique Meirelles (Fazenda, e com uma rede de contatos internacionais incomparável), Romero Jucá (Planejamento, e com o BNDES) e José Serra (Relações Exteriores, e Apex-Brasil). O próprio presidente interino se colocou no ringue ao reservar para si o controle da Camex. Moreira Franco (secretário do novo Programa de Parceria de Investimentos, PPI) e Maurício Quintella (Transportes) vão esperar para ver com quem será melhor exercer o papel de coadjuvante que lhes cabe.

Em um quadro como esse, tudo indica que é do embate entre Meirelles e Serra que vai aparecer a real liderança do governo Temer. Porque, pelo que demonstrou até agora, o presidente interino não vai sequer exercer a função de árbitro. Jucá tem a experiência política rara de ter sido líder de todos os governos dos últimos 20 anos. Mas está na mira direta da Lava-Jato e apenas luta para sobreviver. Não tem preferência por lado, mas a chance de ficar com Serra é muito mais alta do que a de se aliar a Meirelles.

Meirelles é intocável, mas é um principiante quando comparado a Serra. Serra, por sua vez, chegou duas vezes ao segundo turno de uma eleição presidencial, mas está na pior posição de saída para a disputa. Queria a Fazenda e foi parar nas Relações Exteriores. Ainda assim, foi Serra quem realizou o primeiro ato efetivo de governo. Foi do ministério das Relações Exteriores que saíram no último dia 13, um dia apenas após a posse de Temer, os dois comunicados que rejeitaram "enfaticamente" declarações do secretário-geral da Unasul e manifestações de países e entidades de que o impeachment seria um golpe de Estado. Serra não está no ministério de Temer a passeio.

Tudo fala a favor de um governo liderado por Serra. Mas não será fácil repetir o caminho de FHC no governo Itamar, saindo do Itamaraty para a Fazenda em pouco mais de seis meses. Mesmo porque ir para o centro do governo não significará nesse caso ir para a Fazenda. O cargo não está nem estará vago, Meirelles também não foi para o governo a passeio. E ele é talvez o único ministro que Temer não pode demitir. Para completar não se pode esquecer que se trata de um governo do PMDB. Mesmo Serra não cansa de tomar caldo nesse mar.

As armas já foram distribuídas e as trincheiras já foram construídas nos campos de Serra e de Meirelles. Mas a busca de combatentes e de alianças apenas começou. É o que se verá nas próximas semanas.
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Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.

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