quinta-feira, 5 de maio de 2016

Relator de impeachment vê ‘indícios suficientes’

Relator do processo de impeachment no Senado, Antonio Anastasia (PSDB-MG) disse ver “indícios suficientes” para o afastamento da presidente Dilma do cargo e a abertura de processo por crime de responsabilidade. Em 126 páginas, apresentadas ontem, ele sustenta que as “pedaladas” fiscais dão subsídio ao impeachment e refuta o discurso de “golpe”, adotado por Dilma. “Presidencialismo sem possibilidade de impeachment é monarquia absoluta, é ditadura’,’ disse.

Relator refuta ‘golpe’ e pede saída de Dilma

• ‘Presidencialismo sem possibilidade de impeachment é monarquia absoluta, é ditadura’

Cristiane Jungblut, Eduardo Bresciani - O Globo

-BRASÍLIA- Em um relatório técnico, lido em três horas, o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) defendeu ontem a abertura de processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff —e o consequente afastamento do cargo — pela prática de crimes de responsabilidade nas pedaladas fiscais de 2015 e na edição de decretos de crédito suplementar no mesmo ano. Ele refutou o discurso governista de que o processo trata-se de um “golpe” e afirmou que a defesa de um presidencialismo absoluto iguala-se a uma “ditadura”. O relatório será discutido hoje e votado amanhã na comissão. No dia 11, o plenário decidirá se admite a denúncia e afasta Dilma.

“Querer defender o presidencialismo sem impeachment é querer, mais uma vez, o melhor de dois mundos: o Executivo forte do presidencialismo, mas sem a possibilidade de retirada do poder em caso de abuso. Presidencialismo sem possibilidade de impeachment é monarquia absoluta, é ditadura. Por isso que o mecanismo foi previsto em todas as nossas Constituições, e inclusive já utilizado sem traumas institucionais”, afirmou o relator.

Anastasia ressaltou ainda que as seguidas audiências para ouvir a defesa e o fato de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter fixado o rito dão legitimidade ao processo. “Nunca se viu golpe com direito a ampla defesa, contraditório, com reuniões às claras, transmitidas ao vivo, com direito à fala por membros de todos os matizes políticos, e com procedimento ditado pela Constituição e pelo STF”, argumentou.

Anastasia optou por manter o processo restrito ao que foi aprovado pela Câmara. Com isso, apesar de constarem na denúncia original, as acusações de corrupção alvos da Operação Lava-Jato ficaram de fora. No entanto, Anastasia utilizou como “contextualização” as pedaladas realizadas sobretudo em 2013 e 2014. Quando recebeu a denúncia no ano passado, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), havia excluído as citações à Lava-Jato e às pedaladas do primeiro mandato, o que foi mantido pelo plenário da Câmara.

O relator no Senado sustentou que as pedaladas ofendem a Lei de Responsabilidade Fiscal por se tratarem de empréstimos e observou que houve crescimento dos débitos no ano de 2015, chegando a R$ 58,7 bilhões em novembro, e que a quitação não encerra o problema.

Anastasia argumenta não ser crível que a presidente não tivesse conhecimento. “Não é razoável supor que a presidente da República não soubesse que uma dívida da ordem de R$ 50 bilhões junto a bancos públicos federais pairava na atmosfera fiscal da União. O tucano afirmou, porém, que só na próxima fase será possível analisar se o crime foi cometido por Dilma por ação ou omissão.

Em relação aos decretos, Anastasia fez uma análise individual de cada um e concluiu que em cinco deles houve violação à regra da lei orçamentária que permitia a edição somente se a meta fiscal estivesse sendo cumprida. “Sob interpretação mais restritiva, porém adequada ao caso concreto, não apenas três, mas cinco decretos apresentam repercussão negativa, no valor consolidado de R$ 1.814,4 milhões, relativamente à obtenção da meta de resultado primário, em inobservância à condicionante fiscal gravada no art. 4º da LOA 2015”, afirmou.

Analisou também preliminares levantadas pela defesa de Dilma, rejeitando todas. Negou que Cunha tenha cometido “desvio de poder” ao aceitar o impeachment e ressaltou que o ato do presidente da Câmara é defendido pelo próprio governo quando se trata de restringir a denúncia. Ressaltou ainda que o processo que chega ao Senado é fruto de decisão do plenário da Câmara e não de ato individual de Cunha.

Anastasia diz que o impeachment não coloca em “xeque” o regime presidencialista e ressalta que o cargo não dá a Dilma um “salvo conduto”. “Por outro lado, não se cuida de abonar a linha de defesa da Senhora Chefe do Poder Executivo, que pretende, por estratégia retórica, a ela (Dilma) atribuir um salvo conduto para que transite pela história como a Senhora do bem, que paira além da linha dos anjos”, diz.

Senadores que defendem a presidente Dilma Rousseff acusaram Anastasia de ter ampliado os casos em análise em seu relatório sobre o processo de impeachment por ter feito a citação a anos anteriores. Cogitam inclusive um recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir mais prazo para a defesa.

— Ele ampliou o objeto. Fundamentou com anos anteriores, com Caixa, com BNDES, mas o objeto é só o caso do Plano Safra no Banco do Brasil em 2015. Estamos trabalhando com fatos concretos, não pode ser conjunto da obra, porque aí não tem direito de defesa — afirmou Lindbergh Farias (PT-RJ).

— É um relatório pior que a encomenda, que passa por cima da Constituição — complementou Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).

“O líder do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB), elogiou o parecer, que classificou como mais robusto que o aprovado na Câmara e ‘demolidor para o governo’”. (Colaborou Maria Lima)

Principais pontos

Impeachment:
O relator Antonio Anastasia (PSDB-MG) ressaltou que o impeachment não coloca em “xeque” o regime presidencialista: “O impeachment é instrumento excepcional de equilíbrio e não de exceção. Em outras palavras, o impeachment dialoga com a soberania popular, mediante arranjo sábio entre as instâncias políticas e jurídicas do país.”

Golpe e ampla defesa:
O senador repetiu várias vezes que o processo deu amplo direito de defesa e contraditório à presidente Dilma Rousseff, “com direito à fala por membros de todos os matizes políticos, e com procedimento ditado pela Constituição e pelo Supremo Tribunal Federal.”

Críticas a Dilma.
Em vários pontos do parecer, fez críticas e ironias à presidente. Anastasia disse que Dilma trabalhava para ter “salvo conduto” para fazer o que quisesse. “Por outro lado, não se cuida de abonar a linha de defesa da senhora chefe do Poder Executivo, que pretende, por estratégia retórica, a ela (Dilma) atribuir um salvo conduto para que transite pela História como a senhora do bem, que paira além da linha dos anjos”, escreveu o tucano.

Eduardo Cunha:
O relator ainda ironiza o fato de o governo ter apoiado a decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na delimitação a denúncia a dois pontos: “Houve o recorte substancial dos fatos descritos na denúncia, o que agradou muito a defesa da senhora presidente.” Em outro momento, deixa claro que a decisão da Câmara a favor do impeachment não foi do “presidente da Câmara”, mas sim “ato colegiado do Plenário da Câmara dos Deputados”.

Pedaladas fiscais:
O relator coloca como pedaladas fiscais as operações de crédito realizadas pelo governo junto a bancos oficiais. E disse que o processo pode ocorrer “sem esperar a votação das contas de 2015” pelo Tribunal de Contas da União ou pelo Congresso.

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