sábado, 28 de maio de 2016

Sob ameaça de protesto, FHC cancela participação em evento em NY

Bela Megale, Mario Cesar Carvalho – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Alvo de ameaças de protestos contra o seu apoio ao governo do presidente interino Michel Temer, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso cancelou sua participação num congresso acadêmico em Nova York (EUA).

FHC participaria do principal evento do encontro, um debate na manhã deste sábado (28) com o ex-presidente chileno Ricardo Lagos, que encerraria o 34º Congresso Internacional da Associação de Estudos Latino-Americanos, no aniversário de 50 anos da entidade.

Em carta enviada à entidade nesta sexta (27), FHC rechaça a noção de que a presidente Dilma Rousseff é vítima de um golpe e defende o que "os atuais ventos ideológicos que circulam em certos centros acadêmicos parecem misturar a postura de cientistas com a de ativistas".

"Aqueles que me conhecem sabem que eu fui formado como cientista social numa época que, a despeito de crenças e valores, intelectuais deviam manter a objetividade científica como um valor central em seus desafios acadêmicos".

FHC lembra na carta que foi aposentado compulsoriamente da USP pelo golpe militar de 1964 e que criou um dos centros de resistência ao regime militar, o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).


"Paguei um preço alto por isso", relata FHC no texto. "Fui privado da cadeira para a qual eu tinha sido contratado na USP, fui perseguido pelo regime militar e submetido a interrogatórios, vendado e encapuzado, num famoso centro de tortura em São Paulo".

Para FHC, o processo de afastamento de Dilma não pode ser classificado de golpe, já que houve, segundo ele, respeito à Constituição e o processo foi supervisionado pelo STF (Supremo Tribunal Federal). "Estranho 'golpe', no qual a presidente continua na residência presidencial, cercada por conselheiros e um aparato de segurança adequado a um chefe de Estado".

Na carta, o ex-presidente diz que "o pano de fundo do processo de impeachment foi a revelação de uma organização criminosa que existe desde o mandato do presidente anterior [Lula], a qual uniu empresários, servidores públicos, políticos e partidos políticos com o objetivo de aumentar o custo de obras públicas e desviar parte dos recursos como uma estratégia para ganhar suporte político, votos e, eventualmente, riqueza pessoal".

Além da "disseminada rede corrupção", FHC menciona a crise econômica, os 11 milhões de desempregados e a crescente dívida pública como motivos que o levaram a apoiar o impeachment.

Protestos
Entidades como a Clacso (Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais) programaram um protesto contra a participação de FHC e planejam distribuir camisetas com as inscrições "Brasil, La Democracia de Luto" e "Não ao Golpe" –nesta última, o slogan aparece escrito também em inglês e espanhol.

"Respeitamos a decisão da Lasa de convidar a um dos maiores instigadores e incentivadores do golpe no Brasil, porém também convocamos a acompanhar a conferência enchendo o auditório de camisetas pretas em sinal de protesto", diz um convocatório da entidade latino-americana, incluída no site da entidade.

Uma petição de 162 membros da entidade latino-americana e 337 pesquisadores não associados pedia o cancelamento da conferência de FHC. "Respeitamos a contribuição passada de Cardoso para o pensamento internacional. Entretanto, esse convite foi feito em um momento infeliz", diz o texto. Ainda segundo o o abaixo-assinado, o convite foi feito num momento em que FHC e seu partido "não hesitaram em colocar em perigo a paz interna nem mecanismos básicos como a Constituição".

Para os pesquisadores, ao dar voz a FHC a entidade pode incorrer em "um desrespeito grosseiro com pesquisadores que têm lutado há tempos para constituir uma estabilidade democrática na região nos dias atuais e nos últimos 50 anos".

Apoio oficial
A Lasa tentou evitar o cancelamento da participação de FHC e emitiu uma nota de apoio a ele. No texto, a entidade diz que é "altamente respeitosa com as políticas e os processos em cada país da região" e "por esta razão nunca considerou cancelar a participação de um acadêmico reputado a partir de sua posição política".

A entidade havia recebido pedidos tanto para cancelar como para reafirmar a participação de FHC no debate de encerramento.

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