terça-feira, 10 de maio de 2016

Surpresa grotesca – Editorial / Folha de S. Paulo

Para empregar um dos bordões mais celebrados pelo PT em seus anos de bonança no governo federal, nunca antes na história do país se viu uma crise tão marcada pelo imponderável quanto esta.

Das revelações no âmbito da Operação Lava Jato às decisões sem precedentes do Supremo Tribunal Federal, passando pelas deploráveis manobras conduzidas pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) quando ainda comandava a Câmara, não foram poucos os episódios imprevisíveis que redefiniram o curso do processo político.

Para o deputado Waldir Maranhão (PP-MA), entretanto, era necessário alargar ainda mais o campo do improvável. Talvez procurando rivalizar em autoritarismo com aquele a quem substitui no cargo, o presidente interino da Câmara resolveu nesta segunda-feira (9) protagonizar uma farsa grotesca.

Aceitando recurso apresentado pelo governo Dilma Rousseff (PT), Maranhão achou que seria boa ideia declarar nula a sessão em que 367 deputados votaram a favor do impeachment da presidente.

Entre os argumentos alinhavados, só um mereceria alguma consideração: o de que os partidos não poderiam ter orientado a manifestação de seus integrantes. A lei que regula o tema de fato desautoriza encaminhamento de votação.

O aparente respaldo legal não torna a alegação menos ridícula. Na prática, o próprio Maranhão, por exemplo, contrariou a posição majoritária de sua sigla. Além disso, do ponto de vista formal, não houve encaminhamento de votação propriamente dito, mas simples exposições dos partidos.

Debater nesse termos, porém, já é levar a sério demais uma resolução descabida, amparada no mero desejo de conquistar alguns minutos de fama e de prolongar os estertores de um governo que, há muito sem saber o que propor ao país, luta somente por apego ao poder.

Diante das circunstâncias, não se pode condenar o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), por ter simplesmente ignorado o ato de Maranhão.

Decerto haveria menos atrito se ele esperasse que o plenário da Câmara ou o STF revogasse a decisão esdrúxula. Seria absurdo, por outro lado, dar legitimidade a uma bizarria monocrática, como se esta pudesse se sobrepor à vontade de mais de 70% dos deputados.

Para que não fique aberta essa brecha para questionamentos, todavia, é imperativo que o plenário da Câmara aprecie quanto antes a decisão de seu presidente interino —que seguramente não reflete o pensamento da Casa.

Personagens burlescos como Waldir Maranhão até podem servir a um governo em desespero; ao país, porém, interessa que sejam contidos pelas instituições da República, sob pena de a cada vez mais desgastada imagem do país sofrer danos irreparáveis.

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