terça-feira, 24 de maio de 2016

Temer ouve muito e decide rápido - Raymundo Costa

• Saída de Jucá é primeiro teste efetivo do governo

- Valor Econômico

O presidente interino Michel Temer abriu um amplo leque de consultas sobre a conveniência de manter ou não o senador Romero Jucá no Planejamento, gravado em áudio em supostas articulação para abafar a Operação Lava-Jato. Um duro golpe para Temer, que levou Jucá para o centro nervoso do governo contra indicações de auxiliares e amigos próximos, pela reconhecida capacidade de articulação política e de trabalho do senador pelo PMDB de Roraima. A forma Temer de governar surpreende, sobretudo, se comparada ao centralismo que vigorou no Palácio do Planalto, até recentemente, contra a opinião geral e até o senso comum. Temer ouviu muito e decidiu rápido. Estabeleceu um critério para ministros apanhados na Lava-Jato.

Em uma semana de governo, Jucá deixou Temer ainda mais impressionado por seu conhecimento e trânsito na área econômica. Diz tudo sobre a capacidade de articulação política de Jucá o fato de ele ter sido líder dos presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Sempre com uma solução pronta para os mais complicados impasses em torno de emendas constitucionais, projetos de lei ou medidas provisórias. A novidade, para Temer, foi a desenvoltura do senador na economia.


Em conversa no início da tarde de ontem com a coluna, Temer disse que iria esperar a repercussão da entrevista que Jucá concedera pela manhã, antes de decidir sua sorte. Não parecia muito feliz com a ideia de demiti-lo, mas conformado, se essa tivesse que ser a melhor decisão política a ser tomada. Pressionado, Jucá decidiu se licenciar.

Para um governo com apenas uma semana no comando do Palácio do Planalto, talvez não fosse a melhor solução. Temer já recuou em várias decisões de governo, possivelmente para mostrar um espírito conciliatório que, na prática, é mais entendido como vacilação. O presidente interino voltou atrás na sua decisão de extinguir o Ministério da Cultura, mas nem por isso foi suspensa a ocupação de prédios da pasta estimulada pela oposição. A queda de ministros de Dilma beirava o exagero, eles saiam estropiados como a ex-presidente da Petrobras Graça Foster. Mas só um governo com queixo de vidro cai às primeiras pancadas.

Temer sempre soube que corria riscos ao nomear Jucá não só para um cargo, mas para um dos principais postos do governo. No círculo de amigos do Palácio do Jaburu, antes do afastamento de Dilma, dizia-se que a Lava-Jato não costumava surpreender. As prisões eram quase sempre previamente anunciadas. Assim foi com José Dirceu e com João Vaccari Neto, o capitão do time e o tesoureiro do PT, para citar dois exemplos. A Polícia Federal sempre amanhecia à porta de quem se esperava.

Jucá era pule de dez. Investigado na Lava-Jato, o senador garantiu a Temer que nada iria ser encontrado contra ele. Jurista, o entendimento de Temer é que a todos deve ser dado o benefício da dúvida, até prova em contrário. E feita a relação custo-benefício, escolheu ter o senador na linha de frente do governo.

Entre seus conselheiros, houve quem achasse uma má ideia. No PSDB, a nomeação de Jucá causou incômodo. O senador José Serra, hoje ministro das Relações Exteriores, considerava um risco levar o senador por Roraima para o centro nervoso do governo. Não deu outra. Grave. Mas sem superlativos.

O áudio das conversas de Romero Jucá com o ex-senador e ex-presidente na Transpetro Sérgio Machado não dizem nada além do que fazia parte das conversas entre os partidos no Congresso: esfriada a crise política com a saída de Dilma, talvez fosse possível "domar" a Operação Lava-Jato, especialmente quanto aos métodos. Mas sempre com a ressalva de que não havia como desfazer o que já estava consumado - as empreiteiras teriam que pagar pelos seus crimes, nos acordos de leniência, e quem estava preso, cumprir sua pena. Como aconteceu na Itália da "Operação Mãos Limpas", o Congresso procurava - e procura - formas de se proteger.

Na conversa de Jucá com Sérgio Machado não há referência a valores recebidos ou pagos. Pode dizer nada. Mas o fato de o ex-presidente da Transpetro andar com o gravador ligado em conversa com senadores diz muito. Foi no Senado, trincheira de apoio a Dilma, que se descobriram as principais ramificações da Lava-Jato no PMDB.

A fieira começa por um ex-presidente da República, José Sarney, passa por um de seus acólitos, Edison Lobão, ex-ministro de Minas e Energia, sua filha Roseana, um ex-presidente do PMDB, o senador Valdir Raupp (RO), e mantém sob tensão o presidente do Senado, Renan Calheiros, alvo de quase uma dezena de investigações. Sérgio Machado era o que em Brasília chamam de "operador deste grupo".

O "grupo da Câmara", que orbita em torno de Temer, é integrado pelo ministro Eliseu Padilha (Casa Civil), o ex-ministro Moreira Franco, secretário-executivo para as parcerias público-privadas, e os ministros Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) e Henrique Eduardo Alves (Turismo). Geddel e Henrique se aproximaram muito do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha, a obsessão do procurador Rodrigo Janot na Operação Lava-Jato. Cunha é o principal alvo da Lava-Jato na Câmara. O outro é o PP, partido que saiu com dois ministérios na partilha do governo Temer. A base do Ministério Público Federal é que pressiona por ações sem distinção entre deputado e senador.

Na formação do governo, a Lava-Jato foi motivo de muitas discussões no Palácio do Jaburu. Além de Jucá, são investigados Geddel e Henrique Alves, só no PMDB. Há outros. Nas conversas que antecederam o governo Temer um dos argumentos era que o impeachment somente fora possível por causa das grandes manifestações, cuja palavra de ordem não era apenas o "Fora Dilma", mas também a ética na política, traduzida no apoio ao juiz Sergio Moro.

O presidente interino estava advertido do que estava por vir; agora sabe também que o noticiário envolvendo seu ministro licenciado do Planejamento nos desvãos da Lava-Jato vai continuar. Temer não gostaria de começar seu governo com um desfalque do tamanho de Jucá, mas o ministro do Planejamento teve uma vida mais breve do que quando integrou o ministério de Lula da Silva, em 2005: entrou em março e saiu em julho. Sem apelação. Desta vez, por amplo consenso.

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