segunda-feira, 20 de junho de 2016

A proposta do teto para os gastos precisa ser crível – Editorial / Valor Econômico

A despesa da União vem aumentando mais do que o crescimento da economia há muito tempo. No período de 1997 a 2015, o gasto público federal apresentou crescimento médio de 5,8% ao ano acima da inflação, de acordo com dados apresentados pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, durante reunião com o presidente interino Michel Temer e os líderes dos partidos políticos aliados, na semana passada. De 2008 a 2015, a despesa cresceu 51% acima da inflação, enquanto a receita evoluiu apenas 14,5%.

No início, o governo procurou acomodar o aumento continuado da despesa com a elevação da carga tributária. Isso foi feito durante certo período, mas chegou-se a um ponto em que o Brasil se tornou o país em desenvolvimento com o maior peso de impostos sobre os seus cidadãos. Quando não foi possível mais elevar os tributos, o governo passou a reduzir a economia que faz para pagar parte dos juros da dívida pública, ou seja, o superávit primário.


Esse recurso também se exauriu e, assim, o governo passou a emitir títulos para cobrir suas despesas. A dívida pública bruta passou de 51,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2013 para 67,5% do PIB em abril de 2016. As projeções do Ministério da Fazenda indicam que, se nada for feito para conter a escalada do gasto público, o patamar da dívida poderá ultrapassar 80% do PIB nos próximos anos.

É vidente que a trajetória da dívida é insustentável, ameaçando levar o Brasil a uma situação de insolvência. É preciso, portanto, estancar o crescimento da despesa do governo, como forma de conter a expansão da dívida. O ministro Meirelles propôs, e o presidente interino Michel Temer abraçou a ideia, estabilizar o gasto público em termos reais. Durante um período de nove anos, a despesa total de cada Poder da União será a mesma, sendo corrigida apenas pela variação da inflação do ano anterior. Esse é o objetivo da proposta de emenda constitucional (PEC), encaminhada pelo governo ao Congresso.

A lógica que está por trás da PEC é que, ao conter o aumento do gasto, a melhoria da receita tributária, que será obtida com a retomada do crescimento econômico, será destinada a reduzir o atual déficit das contas públicas e, em seguida, a reverter a situação de déficit para um superávit primário. A velocidade em que isto se dará vai depender, admite o ministro da Fazenda, da rapidez da recuperação e de sua intensidade. Parece razoável acreditar que, caso o Congresso aprove a proposta, a confiança dos empresários e dos consumidores no futuro será reforçada, o que ajudará na retomada dos investimentos, da atividade e dos empregos.

Algumas percepções precisam ser revisadas. Com o novo regime fiscal, o governo não está propondo corte nas despesas. Ao limitar o gasto em um determinado patamar, que já é elevado, pois ultrapassa 19% do PIB, o Congresso terá todo o direito de redistribuir as receitas para as despesas que considerar prioritárias, aumentando algumas em detrimento de outras. A despesa total é que estará sendo contida.

Pode-se discutir se o prazo de nove anos proposto pelo governo para que a despesa total seja corrigida apenas pela inflação é adequado. Muita gente acha que ele é demasiadamente longo, pois a população em 2026, quando o teto para o gasto será flexibilizado, será bem maior do que atualmente e também suas necessidades, que precisam ser atendidas pelo Estado. É provável que, durante as negociações no Congresso, se chegue a um prazo menor para manter a despesa estável, em termos reais.

A proposta do teto para os gastos não será crível, no entanto, se as atuais vinculações das despesas não forem alteradas. Em sua PEC, o governo propôs mudar os gastos com a educação e com a saúde, que atualmente são vinculados à receita da União. Eles passariam a ser corrigidos também pela inflação, embora, para essas duas áreas, o Congresso possa aumentar as dotações orçamentárias, cortando outras. Assim, as despesas com a saúde e com a educação poderão continuar aumentando.

A maior parte do gasto obrigatório, no entanto, ainda estará vinculada. As despesas com os benefícios previdenciários, com benefícios assistenciais (LOAS e RMV), com o seguro desemprego e com o abono salarial ainda subirão de acordo com a variação do salário mínimo. Sem mudar esse dispositivo e as regras de concessão desses benefícios, é pouco provável que o governo consiga conter suas despesas dentro do limite estipulado.

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