terça-feira, 21 de junho de 2016

Alívio em troca de teto

• Governo federal concede carência de seis meses a estados, que terão de limitar gastos

Bárbara Nascimento, Martha Beck, Catarina Alencastro, Eduardo Barretto e Marcello Corrêa - O Globo

-BRASÍILA E RIO- Após seis meses de negociação, governo federal e estados bateram ontem o martelo sobre a renegociação das dívidas com a União. O acordo inclui um alongamento de 20 anos dos débitos e uma carência do valor integral das parcelas por seis meses, até dezembro. De janeiro em diante, o desconto sobre as prestações cai gradualmente por 18 meses de forma que, a cada mês, os estados paguem 5,5% a mais. Apenas no fim de 24 meses é que os governos regionais devem voltar a pagar os valores integrais. Em contrapartida, a União quer que os estados se submetam a um teto para os gastos, que seria incluído na proposta de emenda constitucional (PEC) que já está no Congresso e que fixa um limite para as despesas dos Três Poderes.

A nova metodologia já vale para os pagamentos de julho. O Ministério da Fazenda estima que o acordo vai gerar um impacto total de R$ 50 bilhões aos cofres públicos: R$ 20 bilhões em 2016 e R$ 15 bilhões por ano em 2017 e 2018. O ministro Henrique Meirelles afirmou que o valor já foi considerado no déficit primário previsto para o governo federal neste ano, de R$ 170 bilhões.

As alterações negociadas serão feitas diretamente no projeto que foi enviado pela equipe econômica comandada pelo ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa e que está parado no Congresso Nacional. A inclusão dos estados na PEC se dará por uma emenda e funcionará nos mesmos moldes do teto de gastos proposto para a União, pelo qual as despesas terão como base 2016 e serão corrigidas apenas pela inflação do ano anterior. Dentro do limite estão áreas sensíveis como Saúde, Educação e Previdência.


Ao vincular a renegociação à votação da PEC, o governo espera que os governadores trabalhem pela aprovação do teto junto ao Congresso e já articulem também junto às assembleias legislativas para que isso seja regulamentado com rapidez:

— Isso (teto para o gasto) será incorporado ao projeto de lei, como algo que deve ser reformulado. Paralelamente, os estados vão apoiar a PEC para a limitação dos gastos federais — disse Meirelles.

Os passivos de 11 estados, incluindo o Rio de Janeiro, que foram beneficiados com liminares pelo Supremo Tribunal Federal (STF) poderão ser pagos em 24 meses. Esses governos locais travaram uma briga com a equipe econômica na Justiça na tentativa de obter uma correção mais vantajosa para os débitos, por juros simples e não compostos, como determina o Tesouro Nacional. Com as liminares, muitos deles deixaram de pagar integralmente os valores nos últimos três meses: abril, maio e junho. A Corte deu até o próximo dia 27 para que as partes tentassem chegar a um acordo e, assim, evitassem a judicialização. Com o acordo firmado com a União, Meirelles garantiu que a questão judicial será finalizada.

— Vamos informar ao STF que foi cumprida a determinação de procurar um acordo entre União e estados. Isso foi feito e, portanto, atendeu-se à orientação do STF — disse o ministro.

Meirelles: estados não seguirão caminho do Rio
São Paulo, que tem o maior estoque de débitos com a União, terá tratamento diferente: o desconto ficará limitado a R$ 400 milhões. Dessa forma, a parcela do governo paulista, que hoje é de R$ 1,3 bilhão, cairá para R$ 900 milhões. Na prática, o desconto de 100% cairia para 30% neste caso, segundo o governador Geraldo Alckmin. A ideia inicial da Fazenda era limitar esse valor a R$ 300 milhões, mas Meirelles acabou cedendo às pressões de Alckmin.

— É o melhor entendimento possível. São Paulo, dos estados devedores, será o menos beneficiado, mas nós temos que ter consciência da gravidade da situação atual brasileira, e o que interessa é a retomada do crescimento da economia — disse o governador.

Com relação ao Rio, Meirelles disse que os demais governadores entenderam que o estado enfrenta uma situação excepcional, devido aos Jogos Olímpicos, e se comprometeram a não decretar estado de calamidade pública.

O acordo é um meio-termo para o que queriam os estados, que demandavam carência total das parcelas por 24 meses. Em uma intensa agenda em Brasília ontem, os governadores ouviram diferentes propostas. Pela manhã, o Tesouro apresentou um desenho diferente, segundo os governadores: um desconto de 100% nas parcelas de junho e julho, e, a partir daí, os percentuais decresceriam de forma que, ao fim de 24 meses, os estados voltariam a pagar as parcelas cheias da dívida com a União. À tarde, no entanto, a Fazenda cedeu mais. Ao ser perguntado sobre a mudança, Meirelles disse não considerar ter havido um afrouxamento por parte da equipe econômica:

— Não há afrouxamento fiscal, muito pelo contrário. Houve demonstração clara aos governadores de que estavam participando de um esforço coletivo para o equilíbrio fiscal da União e para o controle da dívida. É muito inferior ao que foi a proposta original dos governadores, que seria um valor muito superior a isso.

Dados do Tesouro estimam que, no fim de 2015, os estados deviam R$ 497 bilhões ao governo federal. Quase metade disso, R$ 221,3 bilhões, diz respeito a São Paulo. O estoque do Rio de Janeiro é de R$ 70,6 bilhões, o de Minas Gerais, de R$ 79,8 bilhões, e o do Rio Grande do Sul, de R$ 52,3 bilhões. Com sérios problemas de caixa, os governos argumentam não ter dinheiro suficiente para honrar os pagamentos com a União sem se desequilibrarem em outras contas.

A dívida dos estados com a União surgiu no fim da década de 1990, quando o governo federal assumiu os débitos dos governos regionais com diversos credores e passou a ser o único credor, em uma tentativa de aliviar o quadro de crise severa que se instalava nas finanças estaduais na época. Para fazer frente ao compromisso financeiro, a União teve de captar recursos junto aos mercados doméstico e internacional.

Para o economista-chefe da Firjan, Guilherme Mercês, a imposição de um limite para gastos é necessária para colocar as contas estaduais nos trilhos. Em nota técnica, a entidade calculou que os gastos com pessoal, em todas as unidades da federação, saltaram de 48,2% para 53,2% da receita líquida entre 2011 e 2015. O volume considera todas as despesas com funcionários ativos, além do complemento que os estados precisam fazer para os regimes locais de Previdência. O teto seria, portanto, uma medida estrutural, que ajudaria a conter essa tendência de alta, já que a recessão limita a capacidade de gerar mais receita, analisa Mercês:

— Com uma carga tributária próxima de 40%, só tem o caminho da racionalização dos gastos públicos.

No estudo, a Firjan recomenda ainda que cada estado tenha sua própria meta fiscal — hoje, estados e municípios têm uma meta única (para este ano, é de superávit de R$ 6,6 bilhões). Além disso, a organização sugere que essas diretrizes fiscais incluam não apenas o superávit primário (economia para pagamento dos juros da dívida pública), mas metas para a dívida pública e o PIB. Hoje, nem a União nem os governos estaduais têm metas estabelecidas para a relação entre dívida e PIB, importante indicador da saúde fiscal dos governos.

Investimentos ameaçados
O economista Pedro Jucá Maciel, especialista em finanças públicas e assessor técnico no Senado, é favorável à medida de limitar gastos dos estados e elogia o desenho encontrado para a renegociação da dívida, principalmente o modelo de descontos gradativos. Ele acredita que a previsão legal de uma limitação da receita possa facilitar o ajuste fiscal, pois aliviaria o custo político de medidas dolorosas:

— Muitos governantes precisam de um respaldo legal para segurar pressões para expansões de despesas. Tendo esse respaldo, é mais fácil controlar politicamente essa agenda.

Maciel lembra ainda que os estados podem se beneficiar mais da medida que a União, já que, hoje, são obrigados por lei a repassar mais recursos para a educação. Pela Constituição Federal, 25% das receitas estaduais devem destinadas ao setor, enquanto o governo federal é obrigado a reservar 18%. Caso seja aprovada no Congresso, a regra do teto substitui o modelo de vinculações.

François Breamaker, gestor do Observatório de Finanças Municipais, avalia que o estabelecimento de um teto tem efeito positivo, como a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas pode acabar causando uma estagnação dos investimentos. O risco é que, para poder gastar em outras áreas, os governos acabem sacrificando as despesas com projetos, para não estourar o limite geral de gastos.

— Existe a possibilidade que você remaneje as despesas. O mais fácil é sacrificar investimento. É o politicamente menos problemático. Muitos investimentos não vão acontecer, a não ser que se comece uma fase mais acelerada em termos de privatizações — disse Breamaker.

A Firjan também estima que, por causa da crise fiscal, o setor privado precisará participar mais de projetos de infraestrutura. A entidade calcula que as despesas com investimentos de todos os estados recuou de 10,7% em 2014 para apenas 7% no ano passado. A aceleração de concessões e parcerias público-privadas seria uma saída para garantir projetos, com menos custo fiscal.

— O setor público não tem capacidade para fazer investimentos. A estratégia no momento atual é abrir espaço para o setor privado — disse Mercês, da Firjan.

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