quarta-feira, 1 de junho de 2016

Ataque duplo a Maduro

• OEA invoca Carta Democrática e convoca reuniões para debater crise

Henrique Gomes Batista - O Globo

-WASHINGTON E CARACAS- Com desdobramentos incertos, a polarização política venezuelana ganha cada vez mais proporções internacionais. Ontem, duas reuniões foram convocadas pela Organização dos Estados Americanos (OEA) para tratar da situação do país — incluindo o inédito pedido do secretário-geral da entidade, Luis Almagro, de usar a Carta Democrática Interamericana, que poderá vir a suspender o país da organização. Na Unasul, o secretário-geral Ernesto Samper anunciou uma nova reunião de mediação entre governo e oposição. O presidente Nicolás Maduro, por sua vez, reagiu ao pedido de Almagro, convocando uma “rebelião nacional contra a intervenção externa”. O chefe de Estado também anunciou que irá à Justiça contra a presidência da Assembleia Nacional do país por “usurpação de funções” e por “traição à pátria”, depois que a oposição conseguiu levar a OEA a tratar da crise no país.


O próprio porta-voz da OEA disse não saber se a maioria dos membros da entidade vai aprovar alguma ação, mas pressionou por uma posição:

— Os países terão que decidir de que lado da História querem ficar — disse o porta-voz de Almagro, Sergio Jellinek, segundo quem o informe do secretário foi publicado sem “cálculo eleitoral” prévio.

A existência de duas reuniões para tratar do mesmo tema — a pedida por Almagro e uma convocada pela Argentina, que deve ocorrer na manhã de hoje, em Washington — mostra um descompasso na entidade continental. O pedido da Argentina sequer faz menção ao informe de Almagro, que já havia anunciado que se pronunciaria sobre o tema.

Fontes envolvidas na negociação afirmam que não é certo que a OEA vai aprovar algum passo concreto contra a Venezuela — seriam necessários os votos de 18 dos 34 Estados-membros para que sejam decididas ações diplomáticas, enquanto uma suspensão, numa futura assembleia-geral, precisaria da anuência de dois terços dos países.

Além de apoio das chamadas nações bolivarianas — Equador, Bolívia e Nicarágua — Maduro espera ter a simpatia de ao menos 11 países do Caribe, que se beneficiaram por anos da venda de petróleo venezuelano subsidiado. Mas ontem, os governos de Argentina, Colômbia, Chile e Uruguai manifestaram apoio ao referendo revocatório pedido pela oposição venezuelana para encerrar o mandato do presidente Nicolás Maduro. Em comunicado conjunto, os chanceleres destes países pedem o “diálogo político efetivo” entre governo e oposição na Venezuela. “Nestes momentos de profunda preocupação pela democracia, direitos humanos e pelo futuro político, econômico e social na Venezuela, manifestamos nosso apoio a um esforço de entendimento e diálogo e aos procedimentos constitucionais, tal como o relativo ao referendo revocatório”, afirma o comunicado.

Oposição comemora medida
Almagro publicou na manhã de ontem na página da OEA seu relatório sobre o país, convocando uma reunião urgente do Conselho Permanente da instituição para discutir a situação na Venezuela, invocando a Carta Democrática Interamericana. Em um relatório de 132 páginas, o secretário-geral pediu uma sessão, entre 10 e 20 de junho — ainda sem data marcada. Citando fontes oficiais e não-governamentais, ele afirma que o governo de Maduro deve realizar ainda este ano o referendo revocatório de seu mandato, que ainda poderia liberar presos políticos e acabar com o “bloqueio permanente” da Assembleia Nacional, controlada pela oposição.

A primeira frente de batalha de Maduro deve ser na OEA, questionando o poder de Almagro para convocar a reunião e invocar a Carta Democrática.

— Podem colocar a Carta Democrática assim (...) colocá-la em um tubinho bem fino e lhe dar um uso melhor, senhor Almagro. Enfie sua Carta Democrática onde bem entender — reagiu Maduro.

Na reunião especial do Conselho Permanente convocada por Almagro, os países irão avaliar se a Venezuela descumpriu o artigo 20 da Carta Democrática: ou seja, se há “alteração da ordem constitucional que afete gravemente a ordem democrática”. Caso a maioria apoie, devem ser aprovadas novas gestões democráticas. Somente a partir de então, se isso não surtir efeitos, o Conselho pode convocar uma assembleia, que poderá até suspender o país. Honduras é o único caso de suspensão de uma nação, depois que o presidente Manuel Zelaya foi destituído em 2009.

O porta-voz Jellinek afirmou que, após Almagro ter indicado que iria invocar a Carta Democrática, foram abertas diversas oportunidades de diálogo que até então não existiam. O porta-voz da OEA disse que não há, “até o momento”, nenhuma indicação de que a situação da Venezuela estará na assembleia anual ordinária da entidade, entre os dias 13 e 15 de junho, na República Dominicana.

Na Venezuela, a oposição comemorou a medida. Dirigentes da Mesa de Unidade Democrática a veem como uma forma de pressionar Maduro no âmbito internacional. Para o presidente da Assembleia Nacional, Henry Ramos Allup, ela mostra que o mundo está atento à “grave crise humanitária enfrentada pelo país”.

— A OEA não pode virar o rosto para a situação em que vivemos, que além da escassez de alimentos e medicamentos, é de violação dos direitos humanos — afirmou o líder do Parlamento, controlado por oposicionistas, pedindo cautela.

O analista Félix Arellano, por sua vez, acredita que o instrumento pode pressionar a realização do referendo revocatório ainda este ano:

— A nação está se fechando para o mundo. O governo deve mudar seu comportamento, porque poderia entrar na onda da Coreia do Norte e ficar completamente isolado.

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