segunda-feira, 27 de junho de 2016

"Brexit" é novo alerta para o Brasil lidar com fragilidades – Editorial / Valor Econômico

Embora os primeiros impactos sobre o Brasil da decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia tenham sido contidos, teremos um longo período de turbulência pela frente. A escolha irracional e assustadora dos britânicos nos relembra que o mundo vive um período incomum de incertezas. Nesse ambiente, é urgente o governo e o Congresso agirem de forma rápida e decidida para corrigir nossas fragilidades domésticas.

Na sexta-feira, depois de o "Brexit" vencer o referendo no Reino Unido, o dólar teve alta de 1,04% ante o real, a Bovespa caiu 2,82% e as taxas de juros de logo prazo registraram um leve aumento. A moderada oscilação dos preços desses ativos esconde o fato de que, para os principais analistas econômicos, a decisão dos britânicos é um passo no escuro, cuja real dimensão não é fácil de estabelecer neste primeiro momento.


Os detalhes sobre como o país deixará o grupo serão definidos nos próximos dois anos, mas qualquer que seja o modelo é inevitável que o Reino Unido, a Europa e democracias do resto do mundo sejam atingidas. A libra registrou uma queda de cerca de 30%, voltando aos níveis da década de 1980, e muitos especialistas acreditam que esse será seu novo valor de equilíbrio depois que o país decidiu abrir mão de seus laços privilegiados com o Continente.

Na Holanda, Alemanha, França e Itália, ganham força grupos radicais separatistas, tornando imprevisível o futuro do grupo de países e até a própria estabilidade geopolítica da região. O mau exemplo encoraja projetos aventureiros em outras partes do mundo, como o de Donald Trump, nos Estados Unidos.

Pelo menos nas primeiras horas, não se confirmaram os receios de uma crise de liquidez no sistema financeiro, sobretudo em Londres, onde casas bancárias estão mais vulneráveis porque devem deixar de ter protagonismo como centro financeiro da Europa. Ações de bancos do Velho Continente sofreram severa desvalorização.

O presidente do Banco da Inglaterra, Mark Carney, mobilizou 250 bilhões de libras na sexta-feira para enfrentar eventuais crises de liquidez nos mercados. No Brasil, o Banco Central divulgou uma nota informando que, se necessário, adotará "medidas adequadas para manter o funcionamento normal dos mercados financeiro e cambial".

Os bancos das economias avançadas estão menos alavancados e mais bem capitalizados do que na crise de 2008, desencadeada pela quebra do Lehman Brothers, por isso não se espera nada parecido com o travamento do mercado interbancário e o "credit crunch" daquele período.

Ainda assim, será inevitável uma maior aversão a risco e busca de ativos mais seguros nos Estados Unidos e Japão, como ocorreu na sexta-feira. Esse movimento foi apenas atenuado com a perspectiva de que o Federal Reserve provavelmente será mais cuidadoso em subir sua taxa básica de juros.

Outro canal de contágio relevante é por meio da economia real. Além do próprio Reino Unido, que corre o risco de uma nova recessão, a Europa deve ser afetada, sobretudo os países mais vulneráveis, como Grécia, Itália, Espanha e Portugal. O Velho Continente é um dos principais destinos das exportações da China.

Segundo o BC, o Brasil tem fundamentos robustos para lidar com mais esse choque externo, como "relevante montante de reservas internacionais, o regime de câmbio flutuante e um sistema financeiro sólido".

De fato, o país está menos vulnerável depois do rápido ajuste nas contas externas. O déficit em conta corrente projetado para 2016 é de US$ 15 bilhões, ante a perspectivas de ingressos de R$ 70 bilhões em investimentos diretos. Os juros de dois dígitos e R$ 400 bilhões em depósitos compulsórios dos bancos garantem um bom espaço para uma eventual reação.

Os graves desequilíbrios macroeconômicos, porém, limitam o uso desses colchões. Embora cadente, a inflação segue alta e suscetível a choques. A política fiscal está no terreno expansionista e a dívida pública continua em trajetória insustentável.

Embora a equipe econômica do governo interino de Michel Temer tenha formulado diagnóstico correto, o sistema político se mostra disfuncional. Ora parlamentares aprovam medidas na direção certa, como a DRU, ora na direção errada, como o reajuste ao funcionalismo. Sem lidar com esses desequilíbrios, o Brasil seguirá exposto a esse perigoso ambiente internacional.

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