segunda-feira, 13 de junho de 2016

Caiu a ficha: Lava-Jato não vai parar - Marcos Nobre

• Começou a trégua para o governo interino

- Valor Econômico

Era mais ou menos consensual nas análises políticas que, ao assumir, o governo interino teria uma trégua de algo como três meses para dizer a que veio. Não foi o que aconteceu. Antes de qualquer outra coisa, porque o primeiro movimento da Lava-Jato foi de voltar suas baterias contra o novo governo. Sérgio Machado vazou seus grampos de José Sarney e companhia para conseguir homologar sua delação. Mas não faria isso sem algum tipo de combinação com a turma da Lava-Jato. Ainda que muita coisa já esteja sob jurisdição do STF, os vazamentos de material tóxico continuam bem controlados e focados: miram qualquer tentativa de estabilização do sistema político que pretenda colocar areia na engrenagem da Operação.


Mesmo que sem a amplitude das manifestações contra o impeachment, o movimento de resistência ao afastamento de Dilma Rousseff não apenas se manteve como se mostrou aguerrido e eficaz. Mais que isso, mostrou que conseguia fazer muito com pouco. Dez pessoas e sete pequenos cartazes no tapete vermelho do Festival de Cinema de Cannes conseguiram resumir centenas de esforços dispersos e deixar o governo interino a descoberto mundo afora. Com isso, conseguiram também fazer um contraponto relevante ao amplo apoio ao novo governo na grande mídia. E amplificaram a série de hesitações, tropeços, recuos e movimentos contraditórios realizados por Michel Temer em seu primeiro mês como interino.

Também o caráter de interinidade acabou pesando mais do que se esperava. Daí que, em um momento de dificuldade e de fragilidade, a interinidade tenha sido reforçada pelo próprio Michel Temer como estratégia de defesa para baixar a bola das expectativas que ele mesmo tinha jogado nas alturas para alcançar o afastamento de Dilma Rousseff. Isso porque não se esperava nem resistência significativa na rua nem risco para valer no Senado.

Por uma questão de ordem lógica do processo de impeachment e mesmo de proximidade do grupo ligado a Michel Temer, a verdadeira base do governo interino é a Câmara dos Deputados. Nas negociações para a votação da admissibilidade, o grupo em torno de Temer dividiu o governo como se existisse apenas a Câmara. É claro que já era previsível que o Senado não iria aceitar uma balança assim desequilibrada. Era evidente que uma revisão da divisão de cargos e posições previamente acordada seria necessária. Como era previsível que a base na Câmara não iria aceitar a revisão do acordo sem reagir.

Justamente nesse momento crítico surgiram movimentações que trouxeram um curioso alívio ao governo interino. Quando os vazamentos miraram Renan Calheiros, José Sarney, Romero Jucá e Eduardo Cunha, a avaliação foi de que o foco tinha passado para o Congresso. Claro, não há crise no Congresso que não respingue no governo. Mas faz muita diferença não estar na mira direta da metralhadora. Tanto é que o surgimento de novas denúncias contra o ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, não resultou, como no caso de Romero Jucá, no seu afastamento do governo.

Além de colocar a cúpula do PMDB e do Senado na defensiva, a Lava-Jato resolveu que era o momento do ataque final contra Eduardo Cunha. Como não tem jurisdição sobre o deputado suspenso de seu mandato, a força-tarefa mirou sua mulher, Cláudia Cruz. A coletiva de imprensa foi realizada como se fosse uma reunião do Conselho de Ética que decretasse que o deputado suspenso atentou contra o decoro. Sintomaticamente, pela primeira vez desde que surgiu na Lava-Jato, surgiram na imprensa informações de que Cunha teria feito ameaças em torno de uma delação explosiva. Tirar essa carta da manga significa basicamente que já deu a guerra por perdida. E é assim também que uma ampla base que ainda o sustenta na Câmara entendeu que não há como mantê-lo no jogo. Livrar-se de Cunha e encontrar um novo equilíbrio na Câmara é essencial para que o novo governo consiga funcionar.

Acontece que o alívio não veio porque a crise atravessou a Praça dos Três Poderes rumo ao Congresso Nacional. Nem porque arrefeceu na rua o movimento de oposição ao governo interino. O desafogo veio de uma surpreendente novidade que tomou conta do sistema político: a decantação da certeza de que não há como parar a Lava-Jato. Pode parecer simples aceitação de uma obviedade, mas está longe disso. Uma das mais importantes motivações da política oficial para aderir ao impeachment foi justamente parar a Lava-Jato. A divulgação das gravações de Sérgio Machado teve um efeito definitivo e demolidor em relação a qualquer expectativa de autodefesa do sistema político. O fato de a política oficial aceitar como fato consumado que a Lava-Jato não pode ser obstruída liberou o governo interino de uma expectativa de proteção que não tinha como cumprir. Vai agora poder tomar as rédeas da situação e encontrar a estabilização possível nas circunstâncias.

É claro que está longe de ser confortável para o sistema político uma situação em que a mira da Lava-Jato pode abater integrantes no governo e no Congresso a qualquer momento. No momento atual, o governo ganhou uma trégua e de nenhuma maneira de um armistício. Mas não é pouca coisa o sistema político abrir mão de uma exigência que o governo interino simplesmente não tinha como transpor e, mais importante, que impedia sua ação. Mais do que isso, o Congresso já não olha mais para o governo em busca de auxílio a cada investida da Operação contra seus integrantes. Simplesmente porque agora sabe que não vai encontrar ali defesa possível. No que diz respeito à Lava-Jato, Executivo e Legislativo entraram no cada um por si. O que, paradoxalmente, permite que o governo funcione.

A partir de agora, o governo Temer vai avançar ou recuar de acordo com o ritmo da Lava-Jato. Em momentos de trégua como o atual, vai tentar aprovar as medidas que considera necessárias e para estabilizar a nova base congressual de que necessita. Em momentos de investida da Operação contra suas bases de sustentação, vai se encolher e suportar a pancadaria como puder, à espera do desafogo da próxima trégua.
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Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.

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