quinta-feira, 16 de junho de 2016

Corrupção em tintas fortes - Merval Pereira

- O Globo

Entre as muitas vantagens da Operação Lava-Jato destaca-se a revelação, em tintas fortes, da evolução do esquema de corrupção montado na política nacional, que atingiu o seu ápice nos anos petistas. Para se ter uma ideia do que estamos falando, basta constatar que todos, simplesmente todos os ministros que ocuparam a Casa Civil nas gestões Lula e Dilma são alvo de graves acusações de corrupção.

A relação tem nomes ilustres: José Dirceu, na cadeia, duplamente envolvido no mensalão e no petrolão, Dilma, também respondendo a impeachment, Erenice Guerra, Antonio Palocci, senadora Gleisi Hoffmann, Aloizio Mercadante, Jaques Wagner e Lula, aquele que foi sem nunca ter sido.

Alguma coisa essa lista impressionante quer dizer, e à medida que as investigações prosseguem e as delações premiadas vão sendo reveladas — e ainda não foram oficializadas as das empreiteiras OAS e Odebrecht — vai-se entendendo melhor o que aconteceu na política brasileira desde a redemocratização.

É verdade que a corrupção é suprapartidária e atinge a todos indiscriminadamente. Nem mesmo os filhotes de um PT imaculado que só existiu na imaginação utópica de uns poucos ingênuos escapam de casos, até aqui pontuais.


Volta e meia surgem nas delações premiadas denúncias de muitos anos atrás, como agora a que envolve o PSDB. Pelo relato de Sérgio Machado, àquela altura tucano, armou-se um fundo, em parte com dinheiro de caixa 2 vindo de Furnas e outras empresas privadas, para ajudar na eleição de uma bancada forte do partido na Câmara em 1998.

O objetivo final era eleger Aécio Neves presidente da Câmara, o que realmente aconteceu. Essas reminiscências de Machado, portanto, são anteriores aos esquemas montados pelo PT. O hoje presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves, nega que isso tenha acontecido, e as investigações darão a palavra final. Mas o episódio, se real, serve para demonstrar a mudança de paradigma acontecida na transição do governo tucano para os petistas.

A História registra que o então presidente Fernando Henrique foi apanhado de surpresa com a comunicação de Aécio de que seria candidato à presidência da Câmara, quebrando combinação de fazer Inocêncio de Oliveira (PFL) na sucessão de Michel Temer. Atribuise a essa manobra, inclusive, racha na aliança governista, já abalada pelos problemas econômicos, o que facilitou a vitória do PT em 2002.

O PT tem razão, não inventou a corrupção. Delcídio e Machado foram tucanos antes de entrarem no PT e no PMDB, e nada indica que tenham mudado o comportamento pela simples mudança de legenda. Mas a narrativa que está sendo montada em Curitiba mostra que a chegada do PT ao poder institucionalizou a corrupção, potencializando-a.

Os partidos aliados, espalhados pela máquina estatal em organizada distribuição de cargos e benesses dirigida pelo Palácio do Planalto, passaram a ter fontes inesgotáveis de financiamento político e pessoal, com mesadas de R$ 200 mil, R$ 300 mil, e grandes tacadas em obras públicas que deram ao PMDB, por exemplo, R$ 100 milhões somente da Transpetro.

Não há mais dúvida de que o financiamento privado de campanhas, cada vez mais caras, gerou essa atuação política viciada. Mas é preciso separar o que é caixa 2 do que é puro e simples roubo de empresas estatais. Como definiu magnificamente o ex-ministro do STF Ayres Britto, no comando do julgamento do mensalão, não há caixa 2 com dinheiro público. O que há é crime de peculato. Pois o PT elevou o peculato ao estado da arte a partir da experiência do PSDB mineiro na campanha para governador de Eduardo Azeredo.

De esquema restrito à campanha, o PT usou a experiência do lobista Marcos Valério como política de Estado, para forrar suas burras e a dos seus aliados e apaniguados, em busca do poder permanente. Agora estão todos juntos e misturados, mas é preciso separar as ações para que a culpa da degenerescência institucional não se perca nessa geleia geral que envolve a todos.

E, sobretudo, é urgente uma reforma político-partidária baseada nos novos critérios que estão sendo implantados a ferro e fogo a partir do novo protagonismo do Judiciário e das exigências da sociedade.

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