quarta-feira, 15 de junho de 2016

Cunha é traído no Conselho de Ética, e cassação avança

• ‘Não mandam nessa nega’, diz Tia Eron, de partido aliado, antes do voto decisivo

Outro defensor do peemedebista, Wladimir Costa (SD-PA) mudou de lado minutos após defender o colega em discurso; defecções podem aumentar até a votação definitiva, no plenário da Câmara, ainda sem data marcada para ocorrer

Após quase oito meses, o Conselho de Ética da Câmara aprovou, por 11 votos a 9, parecer favorável à cassação do mandato do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por ter mentido à CPI da Petrobras ao negar que tenha contas no exterior. A sessão de conclusão do mais longo processo da história do conselho foi marcada por confusão e repleta de surpresas, a maior delas o voto que definiu o resultado, da deputada Tia Eron (PRB-BA), cujo partido é aliado de Cunha. “Não mandam nessa nega aqui!”, exclamou ela, que citou até Platão antes de desfazer um mistério alimentado por semanas. Após o voto de Tia Eron, Wladimir Costa (SDPA), que acabara de discursar em defesa de Cunha, mudou o seu voto, num sinal de que outras traições poderão ocorrer na votação definitiva, no plenário da Câmara, ainda sem data marcada. O deputado disse que recorrerá à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde integrantes foram trocados para tentar dar a Cunha a maioria do colegiado.

A um passo da cassação

• Com traições, Conselho de Ética pede perda de mandato de Cunha, que tende a ser confirmada

Isabel Braga, Simone Iglesias, Catarina Alencastro, Maria Lima e Leticia Fernandes - O Globo

BRASÍLIA - Em decisão surpreendente, o Conselho de Ética da Câmara pediu ontem a cassação do mandato do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Por 11 votos a9, o parecer do deputado Marcos Rogério (DEM-RO) foi aprovado, com dois votos que nos últimos dias eram dados como certos para Cunha: o de Tia Eron (PRB-BA) e, em virada de última hora, do deputado Wladimir Costa (SD-PA). A decisão pegou Cunha de surpresa e, na opinião de aliados e opositores, torna improvável sua absolvição no plenário da Casa.

Desde que o voto aberto nas cassações de mandato foi aprovado, o plenário da Câmara aprovou todas as recomendações do Conselho de Ética: as cassações do deputado preso Natan Donadon e de André Vargas e a suspensão do deputado Carlos Alberto Lereia. Ontem, uma frase de Tancredo Neves era lembrada no plenário: peça qualquer coisa a um político, menos que ele se suicide.

— Com o voto aberto, cada um pensa em seu próprio pescoço. E a opinião pública já escolheu um lado: contra Cunha — disse um dos deputados.

Depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) afastou Cunha da presidência e do mandato, aliados insistiram para que ele renunciasse à presidência da Casa para facilitar a aprovação de uma pena mais branda. Cunha jamais aceitou a hipótese. Ontem, após a derrota, nem o deputado Carlos Marun (PMDB-MS), um dos mais fiéis aliados de Cunha, tinha uma estratégia clara.

— Não sei o que fazer agora, confesso que estou perdido — disse Marun, com semblante abatido.


Preocupação no Planalto
Entre os aliados do presidente interino Michel Temer, há preocupação com as consequências que a saída de Cunha da presidência pode provocar: a sucessão dele, mesmo que em mandato tampão, pode abrir flancos na base aliada. Os partidos do chamado “centrão” tentarão impor um nome, e os da antiga oposição, encabeçada por PSDB e DEM, podem tentar negociar outro nome com PT e os partidos que ainda apoiam Dilma Rousseff.

No Planalto, a reação se resumiu a duas palavras: silêncio e apreensão. Ministros e auxiliares diretos de Temer se esquivaram de opinar publicamente sobre a situação do peemedebista, seguindo orientação de evitar declarações até que saibam o tom que será adotado por Cunha. Ninguém acredita também que ele consiga reverter a cassação no plenário da Câmara.

— A situação é muito delicada. Qual será a reação de Cunha, que tom ele adotará? — indagou um interlocutor do Planalto.

Temer terá que evitar “melindrar” Cunha com gestos ou opiniões. Segundo aliados do governo, os sinais do Planalto serão importantes. Ao voltar do Rio para Brasília, na tarde de ontem, Temer avaliou com seus auxiliares os cenários decorrentes do resultado do Conselho de Ética.

Com Cunha cassado, avaliou o presidente interino, o cuidado do Planalto precisaria ser redobrado para evitar uma “contaminação” na bancada suprapartidária comandada por Cunha. Ele receia que qualquer movimentação abrupta ou declaração descuidada de integrantes do governo prejudiquem as votações e acabem com a ampla maioria que o presidente interino tem na Casa.

Cunha e Temer são aliados históricos e pertencem ao mesmo grupo no PMDB. O partido é tradicionalmente dividido entre integrantes do Senado, comandados pelo ex-presidente José Sarney e pelo presidente do Senado, Renan Calheiros; e pelos representantes na Câmara, liderados por Temer, acompanhado de perto nos últimos anos por Cunha.

Em nota, o presidente afastado da Câmara afirmou que houve parcialidade na condução do processo contra ele e que o processo tem “nulidades gritantes”, que serão objeto do recurso à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, onde ele aposta que o parecer de Marcos Rogério não será levado adiante.

“Também confio que, em plenário, terei a oportunidade de me defender e de reverter essa decisão. Repito: sou inocente da acusação, a mim imputada pelo parecer do Conselho de Ética, de mentir a uma CPI”, afirmou na nota.

No Conselho de Ética, a aprovação do parecer foi comemorada pelos adversários de Cunha, especialmente o presidente José Carlos Araújo (PR-BA):

— Feliz não estou, mas com sentimento de dever cumprido. Contra fatos não há argumentos. A consciência e a pressão do povo falaram mais alto.

O trabalho dos adversários de Cunha agora será pressionar para que o processo seja votado no plenário antes do recesso parlamentar de julho, já que depois virão as Olimpíadas e as eleições municipais.

A representação do PSOL e da Rede contra Cunha foi apresentada em 13 de outubro do ano passado e foi instaurada pelo conselho em 3 de novembro.

De lá até ontem, foram diversas manobras de Cunha e seus aliados para retardar o processo.

Ontem, os autores da representação comemoraram. Chico Alencar (PSOLRJ) disse que, quando entraram com o pedido, foram chamados de “loucos e sonhadores” e que tiveram suas vidas “esquadrinhadas”. E que agora, a pressão é pela cassação e para que Cunha cumpra a ameaça de contar o que sabe:

— Queremos celeridade na CCJ, apreciação em plenário ainda este mês e torcer para o Cunha fazer o que dizem que prometeu: abrir tudo. Que ele saia atirando para o bem do Brasil.

O cerco se fecha

Juridicamente

Ação penal sobre navios-sonda
É investigado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, sob a acusação de receber US$ 5 milhões em propina por contrato de navios-sonda pela Petrobras

Inquérito das contas na Suíça
O ministro do STF Teori Zavascki liberou para julgamento a segunda denúncia oferecida pela PGR por suspeita de que contas secretas na Suíça foram abastecidas por propinas da Petrobras

Inquérito do Porto Maravilha
Denunciado por ter recebido propina de US$ 4,68 milhões do consórcio responsável pelo Porto Maravilha, no Rio. Em troca, teria viabilizado a liberação de recursos do FGTS para financiar a obra

Inquérito sobre a Chaim
Teria ordenado a aliados que apresentassem requerimentos para pressionar donos do grupo Schahin

Inquérito sobre o BTG
É investigado junto com o dono do banco BTG Pactual, André Esteves. Ambos são suspeitos de corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro

Pedido de abertura de inquérito
A PGR quer abrir mais um inquérito para apurar se Cunha obteve doações em troca de benefícios ao empreiteiro Leo Pinheiro

Pedido de prisão
A PGR enviou ao STF um pedido de prisão contra Cunha. O caso está mantido no mais alto grau de sigilo

Afastamento
A pedido da PGR, o STF afastou Cunha do mandato parlamentar e do cargo de presidente da Câmara no mês passado

Politicamente

Diário Oficial
O Conselho de Ética tem que preparar o processo e enviá-lo, com a recomendação pela cassação, à Secretaria Geral da Mesa para que seja publicado no Diário Oficial da Câmara. Essa etapa costuma durar cerca de uma semana

CCJ
Depois que for publicado no D.O da Câmara, começa a correr o prazo de cinco dias úteis para que a defesa recorra à Comissão de Constituição e Justiça

Votação do parecer
Depois da publicação, a CCJ tem cinco dias úteis para votar o parecer

Pauta do plenário
Finalizada a votação na CCJ, o processo é enviado pela comissão à Secretaria Geral da Mesa. Após a leitura em sessão plenária, o processo é publicado em dois dias úteis tem que ser pautado com prioridade para votação pelo plenário. A inclusão na pauta depende da vontade do presidente interino da Casa. Normalmente os presidentes costumam chamar uma sessão, com pauta única, para apreciar processos por quebra de decoro parlamentar

Votação em plenário
A pressão dos que defendem a cassação de Cunha é para que a votação em plenário aconteça antes do fim do recesso parlamentar, que começa dia 18 de julho. Mas se não votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias, o Congresso não entra em recesso

Nenhum comentário:

Postar um comentário