quarta-feira, 15 de junho de 2016

Cunha na fogueira – Bernardo Mello Franco

- Folha de S. Paulo

Meu cliente não tem conta na Suíça, não mentiu ao Conselho de Ética e não quebrou o decoro parlamentar. Quem ligou a TV durante a fala do advogado Marcelo Nobre deve ter pensado que ele fazia a defesa de um santo. Mas o sujeito das frases era Eduardo Cunha, o presidente afastado da Câmara.

A tropa do peemedebista chegou perto de propor sua canonização. O deputado Sérgio Moraes, do PTB, comparou o aliado à famosa heroína francesa. "Joana D'Arc foi queimada. Passou-se o tempo e ela virou santa", disse. "Se a população ficar contra nós, paciência", prosseguiu, antecipando o voto a favor do aliado.

Depois de oito meses de manobras, os cunhistas chegaram confiantes à votação. O correntista suíço contava com o apoio de Tia Eron, eleita pela máquina da Igreja Universal, para vencer a batalha no conselho. Ela sofreu forte pressão de seu partido, o PRB, que controla o Ministério do Desenvolvimento. Em seguida, a pena de cassação seria trocada por uma suspensão temporária.


A deputada indicou que cumpriria o roteiro, mas surpreendeu ao votar contra Cunha. O anúncio levou a uma cena inusitada. O anedótico Wladimir Costa, que havia acabado de elogiar o presidente afastado da Câmara, deu uma pirueta e se juntou à maioria favorável ao relatório.

A deserção de última hora serviu como aviso: o chamado baixo clero, que obedecia cegamente às ordens de Cunha, começou a abandoná-lo. Agora adisputa vai ao plenário, onde o peemedebista comandou o impeachment em abril. A votação é aberta, e ele deverá ser cassado pela massa que costumava manobrar.

A dúvida em Brasília não é mais se Cunha sobrevive, e sim o que ele fará quando se vir arremessado na fogueira. O deputado, que não é santo, passou meses repetindo que não arderia sozinho na brasa. Se decidir contar o que sabe, ele tem potencial para carbonizar mais algumas dezenas de políticos. Isso explica o clima de apreensão no governo interino.

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