sexta-feira, 3 de junho de 2016

De olho no impeachment, governo evita problemas – Editorial / Valor Econômico

O presidente interino Michel Temer quer liquidar logo a fatura do impeachment e suas indecisões e recuos em relação a medidas tomadas ou anunciadas - que podem se configurar em um padrão de governar - fazem algum sentido em relação a esse objetivo maior. Mas, vistos de fora da luta pelo poder e pelo fim do interinato, essas manobras roubam prestígio e credibilidade de um governo que se propõe a difícil missão de consertar a economia. O ministério predominantemente político de Temer não se distingue, com exceção da área econômica, daquele formado pela presidente Dilma. A diferença que deveria ser crucial, e não há, é o currículo ético, em especial, em relação ao uso de dinheiro público e corrupção. Esse é o seu elo mais vulnerável, tanto pelos estragos que estão por vir da Operação Lava-Jato, quanto pelo rebaixamento progressivo das expectativas que a mudança de governo trouxe.


As investigações da Lava-Jato estão chegando a um de seus pontos culminantes agora, e não se sabe o saldo de mortos e feridos que deixará. A delação premiada de Sérgio Machado já derrubou dois ministros, jogou mais suspeitas sobre o presidente do Senado, que coleciona 11 processos no Supremo Tribunal Federal, mas não se sabe a extensão total dos fatos revelados. Se Machado for, como se aventa, um dos principais fornecedores de recursos do PMDB, o que sabe e pode ter contado abala diretamente o partido do presidente interino. A delação de seu filho, que opera no mercado financeiro de Londres, deve apontar destinatários e rotas de pagamentos de dinheiro ilícito.

A delação de Marcelo Odebrecht, uma figura central no petrolão, terá mais impacto e abrangência sobre os vínculos entre poder, partidos e propinas, com poder de abalar também líderes dos partidos de conveniência que se penduraram nos galhos do ministério de Temer. A temporada promete uma tempestade de escândalos.

Por isso, os atuais governistas manobram para encurtar em 20 dias o processo de votação do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. Procura-se exconjurar com isso ameaças à vista. Novos escândalos e demissão de ministros retiram aos poucos credibilidade do governo e põem em risco o apoio ao impeachment no Senado, que depende de margem minúscula para aprovação. Além disso, os desgastes inevitáveis de correção da desastrosa situação econômica passam agora a ser debitados a Temer, o que pode começar a deixar intranquila a base governista, e de novo influenciar na votação do impeachment.

Os aumentos previstos para 1,1 milhão de funcionários públicos, retardados para agosto para economia de recursos pela equipe de Dilma, foram aprovados pela Câmara por orientação governista que, na outra ponta, promete impor duras medidas de ajustes dos gastos públicos. O gesto dos articuladores do Planalto foi claro: Temer não quer problemas com o funcionalismo nesse momento. A negociação sobre a dívida dos Estados caminha para mais concessões e menos contrapartidas do que o esboçado antes. Da mesma forma, a volta atrás na questão da cota de moradias do Minha Casa Minha Vida aos movimentos sociais, no mesmo dia em que o MTST tentou invadir a representação da Presidência em São Paulo, é um recuo destinado a obter a paz nas ruas, ao menos até que o destino de Dilma seja selado.

Essas manobras têm custo de longo prazo e desgastam o governo. Temer teve de desmentir de novo que queira brecar as ações de Curitiba, depois que o ministro nomeado para a Transparência foi gravado por Machado dizendo coisas nada transparentes. O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, antes da posse, já sugeria mexer na estrutura de escolha do Procurador Geral. O primeiro indicado para o cargo era um crítico aberto da Lava-Jato.

As iniciativas do governo não estão conseguindo se desviar da politicagem, no mau sentido do termo. Para a secretaria de Política para Mulheres, criada como resposta ao espantoso estupro coletivo de uma jovem de 16 anos no Rio de Janeiro, Temer indicou a ex-deputada federal do PMDB no Amapá, Fátima Pelaes, evangélica, que é contra o aborto mesmo em casos de estupro.

Em um momento de crise aguda, os sinais ruins dados pelo governo podem se tornar prejuízos permanentes. Atrapalham a dura missão de sua equipe econômica, o que é grave. Com essas ações, Temer corre um grande risco, mesmo que Dilma seja afastada - como ela, poderá presidir a nação, mas não governar.

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