quarta-feira, 22 de junho de 2016

Delator afirma que 1% da obra do Maracanã era para o TCE

Um ex-executivo da Andrade Gutierrez afirmou em delação que mandou pagar 1% do valor da reforma do Maracanã para a Copa de 2014 ao TCE, para evitar problemas com o tribunal. O dinheiro, segundo ele, seria destinado ao então presidente do órgão, José Maurício Nolasco, revelam Chico Otavio e Juliana Castro .O pagamento atendeu a pedido de Wilson Carlos, secretário de Governo de Sérgio Cabral, que também é acusado de receber propina. Eles negam.

Delator: secretário de Cabral pediu propina para o TCE

• Segundo Primo, 1% da obra do Maracanã iria para conselheiro Nolasco

Chico Otavio e Juliana Castro - O Globo

Clóvis Renato Primo, ex-executivo da construtora Andrade Gutierrez, afirmou em delação premiada que o Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCERJ), órgão responsável por fiscalizar irregularidades do governo estadual e de prefeituras fluminenses, está envolvido no esquema de propinas pagas pelo consórcio que executou a reforma do Maracanã para a Copa do Mundo de 2014.

Em seu depoimento, Primo diz que houve um pedido de Wilson Carlos, então secretário de Governo da gestão Sérgio Cabral, para que fosse pago ao tribunal, a título de propina, 1% do valor da obra. O ex-executivo da Andrade Gutierrez declarou que, pelo que se recorda, a propina seria destinada ao então presidente do TCE, o conselheiro José Maurício Nolasco. O delator autorizou o pagamento, mas disse que não tem certeza de que o repasse efetivamente aconteceu.


Reportagem publicada no GLOBO anteontem mostrou que 21 dos 22 processos relativos à reforma do Maracanã para a Copa estão parados no tribunal e que, somente agora, seis anos depois de alguns deles terem sido instaurados, o TCE se movimentou para desengavetá-los. As auditorias, por exemplo, pediam o estorno de repasses indevidos ao consórcio da obra, no valor total de R$ 93 milhões.

Contrato teve 16 aditivos
Nolasco era relator de 11 desses 21 processos paralisados — um era sobre o contrato, dois sobre auditoria e oito sobre termos aditivos de contrato. A relatoria dos processos foi agora unificada nas mãos do conselheiro José Graciosa, de acordo com publicação em Diário Oficial do Estado da última quinta-feira.

Na delação, Primo diz que recebeu a informação sobre o pedido de pagamento de 1% do valor da obra ao TCE por meio do executivo Alberto Quintaes, da Andrade Gutierrez. Segundo ele, Quintaes fora informado da solicitação pela Odebrecht, líder do consórcio. A empreiteira disse que o pedido fora feito por Wilson Carlos, à época secretário de governo.

Em seu depoimento aos procuradores, Primo afirmou ter entendido que haveria problemas com o tribunal de contas caso o valor não fosse repassado. A reforma do Maracanã deveria ter custado ao governo fluminense R$ 705 milhões, mas, depois de 16 termos aditivos, o valor subiu para R$ 1,2 bilhão. Levando-se em conta esses valores, os valores da propina poderiam girar entre R$ 7 milhões e R$ 12 milhões.

As auditorias feitas pelos técnicos do tribunal — que pedem o estorno de dinheiro por pagamentos irregulares ao consórcio — destacam, entre outros pontos, a medição e a atestação de serviços com sobrepreço, como o reforço estrutural das novas rampas de acesso ao estádio e a instalação da estrutura metálica das arquibancadas.

Além de Primo, o ex-executivo da Andrade Gutierrez Rogério Nora Sá denunciou, em delação premiada, que o então governador Sergio Cabral (PMDB) cobrou o pagamento de 5% do valor total do contrato para permitir que a empresa se associasse à Odebrecht e à Delta — que saiu antes da conclusão da obra — no Consórcio Maracanã Rio 2014, que disputaria a concorrência, em 2010. Documentos obtidos na Operação Lava-Jato indicam que o ex-governador também teria recebido propinas da Odebrecht relacionadas à obra da Linha 4 do metrô da capital fluminense. Cabral nega as acusações.

O Ministério Público Federal (MPF) montou uma força-tarefa no Rio, este mês, para investigar desdobramentos da Operação Lava-Jato. Casos como o do Maracanã devem ser apurados. Os responsáveis esperam que o ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), autorize o uso da delação dos ex-executivos da Andrade Gutierrez em investigações no Rio. Por lei, os conselheiros dos tribunais de contas têm direito a foro privilegiado no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Dessa forma, o caso não ficaria no Rio.

Clóvis Primo é réu em ação que tramita na 7ª Vara Federal Criminal do Rio, sobre o esquema de pagamento de propinas na Eletronuclear, na obra da usina de Angra 3. O MPF já pediu a condenação dos réus, e a sentença deve sair nas próximas semanas.

Conselheiro nega acusação
A Andrade Gutierrez, a Odebrecht e Alberto Quintaes informaram que não vão comentar o assunto. A advogada de Clóvis Primo, Ilcelene Bottari, afirmou não ter interesse em falar porque o depoimento está sob sigilo. A defesa de Wilson Carlos não conseguiu contactá-lo para falar sobre o caso.

Nolasco disse que jamais esteve com Clóvis Primo e, portanto, nunca houve qualquer conversa ou pedido de propina. Segundo o conselheiro, o processo sobre o contrato da reforma no Maracanã deu entrada no TCE em 30 de setembro de 2010, três meses antes que sua saída da presidência da Corte. Sobre a relatoria dos processos, Nolasco disse que submeteu os casos ao plenário e que, depois disso, os autos ficaram tramitando pelos órgãos técnicos para elaboração de pareceres. Não retornaram ao seu gabinete desde então.

Ele disse que não poderia pedir celeridade porque não cabe ao conselheiro qualquer interferência ou ingerência nos órgãos técnicos, haja vista que são subordinados à presidência. Nolasco salientou que, em uma auditoria da qual era relator, proferiu voto, em abril de 2014, determinando a retenção de R$ 67 milhões pagos indevidamente ao consórcio responsável pelas obras do Complexo do Maracanã. Mas o voto aprovado em plenário acabou sendo o do revisor, que era contrário ao dele.

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