quarta-feira, 29 de junho de 2016

Isentar Dilma de pedaladas fiscais é um equívoco

Por Ribamar Oliveira – Valor Econômico

GRAMADO (RS) - É um erro isentar a presidente afastada Dilma Rousseff de responsabilidade direta pelas chamadas "pedaladas fiscais" com base apenas no laudo da perícia feita por servidores do Senado, pois eles analisaram unicamente uma operação em 2015 - o atraso no pagamento dos subsídios do plano safra. Só com a análise do conjunto das operações, que resultaram em um atraso de pagamentos de mais de R$ 40 bilhões, é possível definir responsabilidades.

Quando se analisa as pedaladas, a primeira coisa que precisa ser entendida é por que elas foram feitas. A pedalada é o atraso deliberado e continuado do pagamento de despesas, com o objetivo explícito de abrir espaço para outros gastos ou para melhorar as estatísticas fiscais. Se o Tesouro deixa de pagar, por exemplo, os subsídios do plano safra devidos ao Banco do Brasil, fica com dinheiro em caixa para gastar em outros programas, como o Minha Casa Minha Vida (MCMV), por exemplo.


A partir de 2012, houve uma clara determinação do governo Dilma Rousseff de manter os gastos em expansão. O problema é que a receita da União estava caindo, em parte por causa da desaceleração da economia e, em parte, por causa de uma excessiva desoneração tributária, que reduziu a base arrecadadora federal.

Com menos receita, mas com a orientação de continuar ampliando os gastos, o governo foi obrigado a reduzir progressivamente o seu superávit primário - movimento que aumentou as incertezas do mercado com os rumos da economia -, pois a piora das contas públicas veio acompanhada de uma redução forçada das taxas de juros, de uma desvalorização do real e da ampliação do crédito subsidiado.

Para não reduzir demais o superávit primário e não piorar ainda mais as expectativas dos agentes econômicos, o governo apelou para as "pedaladas fiscais". Passou a atrasar, sistematicamente, o pagamento de despesas primárias, ou seja, aquelas que afetam diretamente a meta fiscal, abrindo, com isso, espaço para a ampliação de outros gastos.

Os dados do Banco Central, que estão disponíveis em sua nota à imprensa sobre a política fiscal, mostram que o superávit primário do governo central (Tesouro, Previdência Social e Banco Central) em 2012 foi melhorado em R$ 5,8 bilhões com as "pedaladas", ou seja, com o atraso no pagamento de vários passivos. Naquele ano, o resultado primário divulgado foi de R$ 86,8 bilhões. Se não houvesse "pedaladas", ele cairia para R$ 81 bilhões.

A situação foi ainda mais grave em 2013, pois sem as "pedaladas" o governo federal não teria atingido a meta fiscal definida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O resultado primário divulgado foi de R$ 76,6 bilhões, mas seria de R$ 62 bilhões se o Tesouro tivesse pago todos os passivos que terminou adiando naquele ano.

As "pedaladas" foram, portanto, operações deliberadas do governo para melhorar, de forma fraudulenta, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), as estatísticas fiscais. É muito difícil acreditar que a presidente afastada não tinha conhecimento que essas operações estavam sendo realizadas por sua equipe econômica, principalmente porque elas abriam espaço para que Dilma pudesse continuar gastando com o que preferisse. Não há dúvidas também que esses gastos adicionais ajudaram Dilma a se reeleger.

O TCU viu crime fiscal em algumas pedaladas, pois adiar o pagamento de um passivo devido pelo Tesouro a um banco público representa uma operação de crédito, vetada pelo artigo 36 da Lei de Responsabilidade fiscal (LRF). A perícia feita pelos servidores do Senado também concluiu que a "pedalada" do subsídio do plano safra relativo a 2015 foi uma operação de crédito, vetada pela LRF. Mas não identificou "ato comissivo da presidente" que tenha contribuído "direta ou imediatamente para que ocorressem os atrasos nos pagamentos".

O uso das palavras "direta ou imediatamente" são chaves para a leitura do laudo. A responsabilidade de Dilma precisa ser avaliada pelo conjunto das "pedaladas", pois só assim é possível entender o objetivo das operações e a sua natureza. A análise dos peritos do Senado sobre a pedalada do plano Safra, portanto, não faz sentido, pois considerou apenas esta operação de 2015, separada das operações dos anos anteriores. Esta é uma armadilha que só quem quiser, cairá. Com relação aos decretos de crédito suplementar sem autorização prévia do Congresso, os peritos do Senado estão de acordo com o parecer do TCU: a presidente Dilma tem responsabilidade direta sobre eles.

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