terça-feira, 28 de junho de 2016

Janot adverte políticos contra manobra para barrar a Lava Jato

• Em escutas obtidas pelo Ministério Público, caciques do PMDB aparecem em conversas que, para Janot, demonstram uma tentativa política de inviabilizar as investigações sob o argumento de manter a estabilidade institucional do Brasil

Gustavo Aguiar - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deu um recado claro e contundente nesta segunda-feira contra acordões e manobras políticas que, supostamente, tentam impedir o avanço da Lava Jato. Na abertura de um seminário em Brasília sobre a Operação Mãos Limpas, que investigou um dos maiores escândalos de corrupção envolvendo políticos e autoridades italianas, Janot afirmou que "não há força humana, de pessoas ou de grupos, que possa se interpor entre o caminhar coletivo e o futuro" contra a corrupção no Brasil.

"Hoje, algumas vozes reverberam o passado e ensaiam a troca do combate à corrupção por uma pseudo estabilidade, a exclusiva estabilidade destinada a poucos. Não nos sujeitaremos à condescendência criminosa: não é isso que o Brasil quer, não é disso que o país precisa", afirmou o procurador-geral da República. Ele não citou nomes, mas a referência a descobertas recentes de manobras contra a Lava Jato ficaram claras.

Em escutas obtidas recentemente pelo Ministério Público, caciques do PMDB aparecem em conversas que, para Janot, demonstram uma tentativa política de inviabilizar as investigações sob o argumento de manter a estabilidade institucional do Brasil. A revelação ensejou pedidos de prisão contra o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o senador Romero Jucá (PMDB-RR) e o ex-presidente da República, José Sarney (PMDB-MA). Os pedidos, no entanto, acabaram vazando e foram negados pelo relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Teori Zavascki.

"Se os nossos timoneiros não perceberem rapidamente a direção dos novos ventos, certamente estarão fadados à obsolescência democrática. Ficarão, com os seus valores ultrapassados, presos irremediavelmente no tempo do esquecimento e condenados pelo juízo implacável da história", advertiu Janot.

Pressão popular. O procurador-geral da República afirmou também que a Lava Jato não poderá salvar o País, e que o combate à corrupção depende também da mobilização popular. "Afirmo, sem receios de equívoco, que a mudança desejada depende sobretudo da mobilização social. Não chegaremos ao fim dessa jornada pelos caminhos do Ministério Público ou do Judiciário. Esses são peças coadjuvantes no processo de transformação e de aprofundamento dos valores republicanos", disse.

Estavam presentes durante o evento, além de integrantes do Ministério Público, o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, parlamentares, como o segundo presidente do Senado, senador Jorge Viana (PT-AC), o ministro da Transparência, Torquato Jardim, o adovogado-geral da União, Fábio Medina Osório, e o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes.

Em seu discurso, Moraes defendeu a aprovação do projeto de lei popular encabeçado pelo Ministério Público, conhecido como 10 Medidas Contra a Corrupção. Ele afirmou que a pasta está estudando as propostas uma a uma, mas afirmou que as sugestões do órgão são "importantes porque fortalecem as instituições e aprimoram a aplicação das leis".


Confira o discurso na íntegra:
Se consegui ver mais longe é porque estava aos ombros de gigantes.

Foi inspirado nessa frase, com a qual o físico inglês Isaac Newton homenageou aqueles estudiosos que o haviam precedido e produzido conhecimentos que serviram de base às suas importantes descobertas, que encontrei motivação para sugerir ao Conselho Nacional do Ministério Público a realização deste evento.

Estava certo de que as experiências precedentes no enfrentamento à corrupção tinham muito a nos dizer. Era preciso beber dessa fonte, compreender a dinâmica dos fatos, dialogar com o passado.

A história da humanidade é uma trilha sedimentada pelo trabalho e pela experiência de muitos que se sucedem no tempo e no espaço. É a história do pioneiro que tenta, encontra o caminho, acerta e erra também. É a história dos que chegam depois, repetem alguns passos, tentam outros, corrigem alguns erros e cometem novos.

O passado, mesmo não tendo a chave do futuro, sem dúvida, é o espelho que nos adverte dos perigos que ficaram para trás e nos permite seguir mais seguros e confiantes o caminho que desponta a nossa frente.

Temos em curso, no Brasil, hoje, a maior e mais profunda investigação de combate à corrupção de nossa história. Talvez uma das maiores investigações em termos globais de que se tem notícia.

No entanto, tenho a convicção de que, se desejamos avançar nos trabalhos de forma útil e responsável, é ônus nosso lançar o olhar no passado para enxergar os sinais e aprender com as lições que ele tem a nos oferecer.

Foi firme nessa ideia, com a colaboração de diversos colegas, servidores e com o apoio do Poder Judiciário e das entidades classistas de magistrados - juízes e membros do Ministério Público -, que estruturamos o seminário "Grandes Casos Criminais: experiência italiana e perspectivas no Brasil."

Para isso, trouxemos ilustres convidados italianos, como testemunho da experiência daquele país, inclusive sobre o famoso caso "Mãos Limpas", que rendeu importantes vitórias e algumas frustrações. A proximidade entre Brasil e Itália certamente terá muito a nos inspirar e ensinar.

Nesta tarde/noite gostaria de, além de apresentar o evento, trazer algumas reflexões sobre o fenômeno da corrupção nativa: como combatê-la e, notadamente, sobre o papel fundamental das instituições e principalmente da sociedade nesse processo.
Peço, assim, permissão aos senhores para deixar, por ora, em suspenso, o objeto específico deste seminário, que será tratado com muita propriedade pelos qualificados palestrantes e debatedores nos dias que se seguirão.

Tomarei a licença concedida para retroceder a episódio crítico de nossa história e tentar extrair dele alguma lição que se traduza em uma advertência e numa exortação para todos nós.

Corria o ano de 1871. O gabinete do governo era chefiado pelo conservador Barão do Rio Branco. Tramitava no parlamento a famosa "Lei do Ventre Livre". Extinguir a escravidão era pauta que já fervilhava na incipiente sociedade civil, por obra do esforço de algumas proeminentes figuras que, especialmente, a partir do início dos anos 60 fomentavam o tema em várias frentes de atuação: política, cultural, judiciária e associativa.

O cenário externo era francamente favorável ao fim da escravidão. A Inglaterra pressionava o Brasil nesse sentido. Nosso país era dos últimos ocidentais a preservar institucionalmente essa chaga social.

Um detalhe, nesse contexto, é digno de nota e a nós interessa particularmente: falo da dissociação entre o anseio do povo e a mobilização de sua classe política. Nada obstante a resistência empedernida à abolição viesse principalmente do partido Conservador, não se percebia também entre a grande maioria dos liberais disposição de ânimo muito diferente.

O tema encontrava fortes resistências na representação política no parlamento de então, tanto entre liberais quanto entre conservadores.

Fato é que o sistema servil ainda interessava a um pequeno, mas poderoso segmento social. A Lei do Ventre Livre foi aprovada ainda em 1871, apesar de todas as resistências, mas, em vez de arrefecer os movimentos pró-emancipação, como muitos esperavam, fez com que esses se intensificassem nos anos seguintes.

A pressão social que vinha das ruas, dos meetings, dos jornais, da poesia, da literatura, da comunidade internacional, finalmente tornou-se irresistível e, mesmo confrontando o status quo, em 1888, a Coroa assinou a famosa Lei Áurea e promoveu tardiamente a abolição da escravatura entre nós.

Evidentemente, não pretendo comparar momentos históricos distintos, nem qualificar ou quantificar o tamanho de cada um dos desafios.

Na verdade, trago esse exemplo histórico para realçar uma advertência e uma exortação que vem das páginas do passado:

A engrenagem do progresso é irrefreável. Não há força humana, de pessoas ou de grupos, que possa se interpor entre o caminhar coletivo e o futuro. Quando um corpo social está maduro e anseia por mudanças, o poder secular pode até retardar a sua implementação, mas jamais impedir os desdobramentos dos fatos.

Se os nossos timoneiros não perceberem rapidamente a direção dos novos ventos, certamente estarão fadados à obsolescência democrática. Ficarão, com os seus valores ultrapassados, presos irremediavelmente no tempo do esquecimento e condenados pelo juízo implacável da história. Eis a advertência.

Sinto intuitivamente que, da mesma forma que o Brasil, há mais de cem anos, descartou a escravidão e o sistema que simbolizava a resistência ao seu fim, hoje também a sociedade brasileira está pronta e sedenta por uma outra virada histórica: o fim da impunidade e o duro combate à corrupção no trato da coisa pública.

Desde o ano de 2013, com as manifestações que tomaram as ruas do país, em junho daquele ano, a sociedade vem dando mostras eloquentes e claras do seu desejo de mudança. E nada é mais poderoso do que uma ideia cujo tempo chegou, como advertiu Victor Hugo.

Temos hoje um déficit de representação política. Um descompasso entre o que quer o eleitor e o que faz o seu representante.
Afirmo, sem receios de equívoco, que a mudança desejada depende sobretudo da mobilização social.

Não chegaremos ao fim dessa jornada pelos caminhos do Ministério Público ou do Judiciário. Esses são peças coadjuvantes no processo de transformação e de aprofundamento dos valores republicanos.

A Lava Jato, por si só, não salvará o Brasil, nem promoverá a evolução do nosso processo civilizatório. Para tanto, é indispensável a força incontrastável da cidadania vigilante e ativa.

Se desejamos que a roda da fortuna gire na direção do futuro, cada cidadão precisa se engajar verdadeiramente nesse esforço. O Brasil, neste momento, precisa de cada um de nós enquanto cidadãos, muito mais do que de qualquer instituição ou agente público individualmente considerado. Eis a exortação.

Assim como naqueles anos que antecederam a abolição, a conjunção de fatores internos e externos revela ambiente favorável ao fim da impunidade e da leniência com a corrupção.
A Lava Jato desvelou, como nunca, o sistema de favores mútuos entre políticos, partidos e empresários, que mais do que locupletar os seus sócios, frauda a democracia representativa, conspurca os valores republicanos e transforma o Estado em um clube exclusivo para desfrute de poucos, mas penosamente custeado por todos os brasileiros.

O sistema internacional coopera com o nosso esforço de forma inédita; acolhe a extradição de forma alargada, mas com respeito aos direitos humanos; viabiliza o repatriamento de valores desviados e fornece instrumentos normativos que facilitam o ataque à corrupção.

A sociedade civil está engajada de corpo e alma nessa luta, circunstância simbolizada pelas passeatas de todos os matizes e pelos mais de 2 milhões de assinaturas de apoio às 10 Medidas contra a corrupção, que hoje tramitam no Congresso Nacional como projeto de lei de iniciativa popular.

Não diviso espaços para o retrocesso. Não há razões para retardar o caminho. Sem radicalismo estéril, todos os sinais apontam na direção da mudança.

A manutenção do escravismo entre nós foi justificada como tributo à estabilidade política, econômica e social. Essa ideia retardou as necessárias transformações, mas não a impediram.

Hoje, algumas vozes reverberam o passado e ensaiam a troca do combate à corrupção por uma pseudo estabilidade, a exclusiva estabilidade destinada a poucos. Não nos sujeitaremos à condescendência criminosa: não é isso que o Brasil quer, não é disso que o país precisa.

A maturidade institucional permite às instituições judiciais e do Ministério Público prosseguir em sua missão constitucional. Ela precisa ser cultivada e fortalecida. Não há saída legítima senão pelo fortalecimento de todos os poderes, da representação popular e da sociedade civil. Para isso, é fundamental reformar nosso sistema eleitoral, que apresenta graves disfunções.

Há 130 anos rompemos os grilhões das senzalas. Libertamos irmãos em humanidade para que eles assumissem a condição natural de cidadãos brasileiros.

O país evoluiu desde então. Chegou a hora, senhores e senhoras, de quebrarmos também os grilhões do patrimonialismo, de nos libertarmos de um modo de ser que não nos pertence, daquele malfadado jeitinho associado à corrupção da lei que não traduz nossa verdadeira natureza.

É hora de nos desvencilharmos da cultura de espoliação e do egoísmo. O país fartou-se desse modelo político. Basta.

Aos que não desejam o progresso, fica a lição desse tempo memorável: somos um país de homens e mulheres livres, onde a lei deve valer na mesma medida para todos.

Não desejamos mais um arremedo de aristocracia degenerada. Como nos ensinou Rousseau, não há regime que mais demande vigilância e constância do que o democrático.

Se desejamos preservá-lo, é preciso nos armar de força e coragem para reafirmarmos todos os dias: antes os perigos da liberdade do que a tranquilidade da servidão.

O Brasil quer a República hoje, aqui, agora. Sem mais tardar.

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