domingo, 19 de junho de 2016

Não há saída da crise fora da Constituição – Editorial / O Globo

• Parte da História da República é uma sucessão de curtos-circuitos sucedidos por propostas de ocasião, e que antecederam novas crises. Chega de buscar soluções mágicas

A política brasileira é incansável na busca de atalhos para contornar crises, mas que costumam atropelar a Constituição. Quase sempre expressam apenas interesses de grupos, apresentados à sociedade como ações em defesa da “democracia” e do “povo”. Longe disso, entretanto.

Chega a ser curiosa a proposta tirada de alguma cartola no Planalto da presidente afastada, de, caso Dilma se livre do impeachment, ela convocar um plebiscito para saber se deve continuar até cumprir o mandato ou convocar eleições antecipadas.


À primeira vista, a ideia soa como uma inesperada autocrítica da presidente, que, de maneira indireta, estaria admitindo a incapacidade de governar. Também se subentende que, por trás do exótico projeto, esteja a avaliação lulopetista de que numa eleição bissexta, ainda este ano, teria chances de retornar ao Planalto. Se com Lula ou não, trata-se de dúvida cuja elucidação depende também do que a Lava-Jato reserva para o ex-presidente.

Mas se trata também de saber se é factível a proposta. Primeiro, do ponto de vista da Constituição. Depois, devido a uma questão prática: Michel Temer aceitaria renunciar? Pois não se pode imaginar que uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) revogue mandato que os eleitores concederam. Isto, sim, é um golpe.

PT e aliados costumam ser pródigos em criar fórmulas que desativem os pesos e contrapesos da Constituição. Lembremo-nos da ida às ruas, em meados de 2013, de multidões não manipuladas por máquinas sindicais e similares, para protestar contra a degradação dos serviços públicos. Surpreenderam o PT, o governo e os partidos de oposição.

Logo, PT e Dilma desengavetaram um velho estratagema chavista para atropelar a democracia, em nome da “democracia”: a convocação de uma “assembleia constituinte exclusiva” para tratar da reforma política. Juristas, entre eles ministros do STF, e constitucionalistas, como o vice-presidente Michel Temer, alertaram ser impossível. Constituinte, só depois de rupturas institucionais.

Se quiserem emendar a Carta, atendam-se as regras para tal: dois turnos de votação, com quórum qualificado de três quintos dos votos (60%). E nem tudo pode ser alterado na Carta. Para proteger dispositivos vitais, há o conceito da “cláusula pétrea”. Só rompido em queda de regime.

Mas como fica o país numa eleição feita às pressas, não muito distante do fim do mandato atual, em 2018? O Brasil já passou da fase em que se imaginava vencer crises com alternativas de ocasião, tiradas de bolso de colete.

Parece não bastar a experiência frustrada de se mudar o regime para parlamentarista, no começo da década de 60, a fim de os militares aceitarem o vice João Goulart na Presidência. Desde o primeiro momento, Jango conspirou contra o parlamentarismo, e os militares, contra Jango. Não daria certo, como não deu. E não foi devido ao parlamentarismo, usado como remendo para tentar evitar uma ruptura institucional grave que se esboçava havia muito tempo, desde o tenentismo da década de 20.

É preciso cumprir a Constituição, deixandose de lado jeitinhos, fórmulas tiradas da manga da camisa. Aplicar o que está escrito reforça a segurança jurídica, sem a qual nenhuma sociedade se desenvolve. Compare-se a evolução de Estados Unidos e Brasil, descobertos à mesma época. É didático.

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