terça-feira, 7 de junho de 2016

Nós, mulheres - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

Primeira mulher presidente do Brasil, Dilma Rousseff está afastada do cargo por um processo de impeachment. Primeira governadora eleita, Roseana Sarney não foi reeleita (voltou com a cassação do primeiro colocado) e anda às voltas com a Justiça. Primeira prefeita eleita numa capital, Fortaleza, Maria Luiza Fontenelle foi uma tragédia e comeu o pão que o diabo amassou. Primeira prefeita eleita em São Paulo, Luiza Erundina engoliu muito sapo do seu próprio partido à época, o PT.

Será que se foi o tempo em que as pesquisas de opinião apontavam a preferência por mulheres na política? Eram consideradas mais honestas, mais confiáveis, mais trabalhadoras, enquanto a lei das cotas simplesmente não deslanchava – nem as cotas eram preenchidas nem as bancadas femininas encorpavam. Aparentemente, vai piorar.


No Brasil, discutimos a incompetência de Dilma, a ausência feminina no primeiro escalão de Michel Temer, as crenças e dissabores judiciais da secretária dos Direitos da Mulher, Fátima Pelaes, a eficiência da solitária presidente do BNDES, Maria Sílvia Bastos, e a “bela, recatada e do lar” primeira-dama interina, enquanto pipocam protestos contra o estupro coletivo de uma adolescente no Rio de Janeiro.

Na América do Sul, não é só Dilma que está em maus lençóis. Cristina Kirchner já foi tarde na Argentina, a sensata Michele Bachelet convive com denúncias contra seu governo no Chile. E a jovem Keiko Fujimori, de 41 anos, caminhava para mais uma derrota na disputa pela presidência do Peru. Não sem razão.

Keiko tem bom currículo acadêmico e o Peru deve crescer em torno de 4% este ano, na contramão do Brasil, que deve recuar mais de 4%. Mas Keiko não é apenas filha de Alberto Fujimori, ex-presidente que foi condenado a um quarto de século e está preso por violação de direitos humanos e por corrupção, mas foi primeira-dama e participou ativamente do governo dele, inclusive das medidas pelas quais o pai caiu em desgraça e está atrás das grades.

Se o Brasil convive com uma presidente afastada e outro interino, o Peru tinha grande chance de escapar de ter também dois presidentes, uma nos palácios, outro na cadeia. A diferença é que, aqui, os dois estão hoje em campos opostos. Lá, eles são a mesma coisa, comungam os mesmos princípios, têm a mesma régua ética. Keiko, enfim, seria a volta do sobrenome e do próprio pai ao poder. Valia a pena, só por ser mulher?

Nós, mulheres, somos a maioria da população brasileira, invadimos as universidades, tivemos Dilma, Marina Silva e Luciana Genro concorrendo em 2014, logo teremos a elogiada Cármen Lúcia como presidente do Supremo, brilhamos na iniciativa privada, somos chefes de família em milhões de lares, temos 400 delegacias para cuidar de eventuais violências, comemoramos a Lei Maria da Penha, conquistamos equivalência de direitos como empregadas domésticas, temos opiniões políticas fortes – e conhecemos a inflação como ninguém.

Mas, do outro lado, vimos Dilma trocar seu primeiro gabinete, de mulheres, por um outro, só de homens, fomos excluídas do primeiro escalão com Temer, somos minoria na cúpula das grandes corporações, ganhamos (bem) menos do que os homens em funções equivalentes e não conseguimos nos impor na política. No Congresso, a bancada feminina fica em torno de 10% na Câmara e não chega a 15% no Senado.

Economista, com sua fama de “gerentona” e com todas suas boas intenções de inclusão social, Dilma acabou se confirmando uma inapetente na política e uma incompetente na economia, corroendo os ganhos sociais da era Lula. Com isso, fez um mal tão grande à esquerda no País quanto à imagem da mulher na política.

Milhões que votavam no PT estão deixando de votar. Milhões que comemoraram a chegada de uma mulher à Presidência estão com um pé atrás. Um estrago e tanto. Aliás, duplo estrago.

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