quarta-feira, 29 de junho de 2016

Nova regra beneficia candidato mais rico

Por Fernando Taquari e Ricardo Mendonça, André Guilherme Vieira e César Felício - Valor Econômico

SÃO PAULO - Enquanto o STF proibia doações eleitorais de empresas - no fim de 2015 -, as regras para o autofinanciamento das campanhas eram afrouxadas. Num cenário com pouca tradição de doações de pessoas físicas, o resultado é um modelo que acentua a vantagem dos postulantes mais ricos. Obedecido o limite de gastos totais para o município, um candidato poderá torrar todos os seus bens na própria eleição. Não há limite para uso do patrimônio pessoal.

Nova regra de autodoação favorece candidatos ricos
Um candidato poderá usar todo o seu patrimônio, obedecendo o já fixado teto de gastos para campanha em seu município, e pagar 100% de sua campanha eleitoral com recursos próprios, caso deseje. A regra, que favorece os postulantes com mais poder aquisitivo, foi criada no momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a proibição de doações de empresas para partidos ou candidatos - norma que será aplicada pela primeira vez nas eleições deste ano.

Até 2014, o autofinanciamento era limitado a 50% da renda declarada no ano anterior. A mudança foi introduzida na chamada minirreforma eleitoral aprovada pelo Congresso no ano passado e sancionado pela presidente Dilma Rousseff, hoje afastada.


Nas eleições passadas, como não havia limite para a arrecadação junto a empresas - e a participação de pessoas jurídicas era crescente -, o autofinanciamento tinha pouca importância relativa.

Agora, com o veto total às doações empresariais, a tendência natural é de aumento do financiamento próprio. Mas o dispositivo que limitava o uso do patrimônio pessoal na própria candidatura deixou de existir.

Trata-se de um aspecto da nova legislação, ainda pouco conhecido mesmo para os especialistas em direito eleitoral. Agora, o único limite para a autodoação é o teto de gastos totais estabelecido para as campanhas em cada município - outra novidade das eleições deste ano. Para as doações convencionais de pessoa física, o teto continua sendo 10% da declaração de bens do ano anterior.

O procurador regional eleitoral em São Paulo, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, reconhece a existência de desequilíbrio na disputa. "O candidato que é rico vai ter uma vantagem nesse sentido. Isso é inegável", diz ele, referindo-se às possibilidades do autofinanciamento.

Para Gonçalves, o modelo mais adequado seria o da fixação de um valor máximo para doação à própria candidatura, independentemente da renda ou do patrimônio dos concorrentes.

Relator da minirreforma eleitoral de 2015 na Câmara, o deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ), reconhece a contradição no modelo atual: "A exclusão [do limite para autodoações] foi um pedido dos líderes partidários que eu acatei e a Dilma não vetou. Isso acabou gerando uma desproporção grande, já que o STF proibiu o financiamento empresarial. Algo terá que ser revisto para 2018: ou a proibição do financiamento de empresas ou a regra do autofinanciamento".

O uso de recursos próprios na campanha tende a produzir impactos mais visíveis nas eleições para vereador e nas disputas para prefeito das cidades pequenas, locais onde as campanhas são mais baratas e os candidatos nem precisam ser tão ricos para conseguir bancar a maior parte das despesas.

Em mais de 3,5 mil municípios pelo país, os candidatos a vereador não poderão gastar mais que R$ 10 mil na campanha. E em 3,8 mil, o teto para os candidatos a prefeito é de R$ 100 mil.

Mas as cidades grandes não estarão imunes à influência desequilibrada das doações próprias. Uma eleição que, em tese, poderá ser fortemente afetada pelo autofinanciamento é a de São Paulo, a maior e mais cara do país, onde o empresário e apresentador de TV João Doria (PSDB) tentará conquistar a cadeira do prefeito Fernando Haddad (PT), candidato à reeleição.

Notadamente rico -numa reportagem recente, o jornal "O Estado de S. Paulo" estimou seu patrimônio em mais de R$ 170 milhões -, Doria já reconheceu, em entrevista ao Valor, a possibilidade de usar dinheiro do próprio bolso na eleição.

Conforme a tabela que fixa valores máximos para as campanhas publicada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cada candidato a prefeito de São Paulo poderá gastar até R$ 34 milhões no primeiro turno. Num eventual segundo turno, poderá gastar outros R$ 10,2 milhões.

Como os principais concorrentes do tucano foram candidatos em disputas recentes, suas declarações de bens à Justiça Eleitoral são conhecidas. O deputado federal Celso Russomanno (PRB) declarou R$ 2,4 milhões em 2014; a senadora Marta Suplicy (PMDB) assinalou R$ 12 milhões em 2010; Haddad marcou R$ 474 mil quatro anos atrás; e a deputada federal Luiza Erundina (PSOL), R$ 897 mil em 2014.

A Procuradoria Regional Eleitoral, segundo Gonçalves, precisará estar atenta às possibilidades de fraude que se abrem com o aumento de importância do autofinanciamento eleitoral e mesmo das doações convencionais de pessoas físicas.

Uma delas é a hipótese de uma empresa camuflar o financiamento de uma candidatura comprando um imóvel ou qualquer outro bem do candidato por valor muito acima do padrão de mercado. O candidato usaria o excedente da venda numa autodoação à sua própria campanha.

Outra hipótese é o aluguel de CPFs para esconder ou diluir a participação de um grande financiador em doações pequenas de várias pessoas físicas. É um risco que pode ser potencializado com o uso de CPFs de cidadãos que têm baixa renda e são isentos da declaração do Imposto de Renda, o que, para a fiscalização, limita as possibilidades de cruzamentos.

"A gente trabalha com esse cenário de que muitos eleitores vão ceder o CPF", diz Gonçalves. "Mas quanto maior for [a tentativa de fraude], mais visível se torna. Numa eleição acirrada, os outros candidatos vão bater aqui na manhã seguinte. Nossa experiência é de que você não consegue manter segredo com mais sete pessoas."

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