terça-feira, 28 de junho de 2016

O ato que de fato existe - Míriam Leitão

- O Globo

É impossível não haver ato do chefe do governo numa política sistemática de uso dos bancos públicos. Quem acompanhou os fatos sabe o que houve em relação às pedaladas e não pode deixar de responsabilizar a presidente Dilma pelo uso abusivo dos bancos públicos em afronta à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Peritos, por dever de ofício, tiveram que analisar apenas o que foi pedido, mas a verdade é mais ampla.

A perícia pedida pela defesa concluiu que não houve ato da presidente na pedalada de 2015. Os peritos analisaram apenas os atrasos em relação ao subsídio aos proprietários de terra concedido através do Banco do Brasil, no chamado Plano Safra. A conclusão é que foi pago R$ 1,05 bilhão de juros por atrasos em 2014 e R$ 1,13 bilhão em 2015 porque as parcelas que o Tesouro deveria pagar de janeiro a novembro foram atrasadas. O relatório conclui, depois de analisar prazos de pagamentos e regulamentações, que “os atrasos nos pagamentos devidos ao Banco do Brasil constituem operação de crédito, tendo a União como devedora, o que afronta ao disposto no artigo 36 da LRF”. Mas, segundo os peritos, não foi identificado “ato comissivo” da presidente “que tenha contribuído direta ou indiretamente para que ocorressem os atrasos”.


O papel dos peritos é apenas ver se houve crime e constatar se há digitais. Ou seja, alguma assinatura da presidente, alguma ordem para que assim o Tesouro se comportasse. Eles analisam a fotografia. É preciso ver o filme. A verdade cristalina é que os atrasos em relação aos bancos públicos aconteceram a partir de 2013, e escalaram num nível escandaloso em 2014. Isso foi feito para maquiar as contas públicas. A partir da Secretaria do Tesouro e do Ministério da Fazenda foram adotados inúmeros truques contábeis, sobre os quais o leitor desta coluna foi alertado várias vezes. Os jornalistas que acompanham as contas do governo fizeram matérias em todos os jornais falando sobre isso. Chamávamos de manobras, truques, alquimias, contabilidade criativa, manipulação. Houve um momento em que o apelido que pegou foi o de “pedalada”: o governo mandava o banco pagar e jogava para frente o seu desembolso. A ideia mais clara, mais compreensível, desse jogar para frente, foi resumida na palavra “pedalar”.

Em 2015, por orientação do ministro Joaquim Levy, isso começou a ser corrigido. O ano sobre o qual a Comissão de Impeachment se debruça é o que menos registrou irregularidade. A equipe da Fazenda estava decidida a resolver os assuntos e várias distorções foram eliminadas. O problema é que a herança recebida do Dilma I pelo Dilma II foi pesada demais e o governo ficou atolado no problema. Tentou-se resolver e só foi possível no final do ano, abrindo-se um rombo inédito, até então, no resultado primário.

Realmente não há uma ordem assinada por ela mandando jogar a conta sobre o Banco do Brasil. O que houve foi uma omissão deliberada da presidente, que mesmo sendo informada, pelos jornais que seja, de tudo que estava ocorrendo no Tesouro em 2014, fez de conta que não viu. Era conveniente porque assim ela teria mais espaço para políticas populistas — destinadas aos pobres e, principalmente, aos ricos — em ano eleitoral. No ano seguinte, a conta que chegou foi tão alta que não foi possível corrigir imediatamente. É óbvio, contudo, que a presidente sempre soube do que faziam na Secretaria do Tesouro. Se de nada soubesse era o caso de inabilitá-la para atividades executivas por absoluta incapacidade. Os atos da presidente Dilma desataram a confusão fiscal na qual estamos mergulhados, para a infelicidade geral da nação.

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