domingo, 19 de junho de 2016

O detalhe e o todo - Míriam Leitão

- O Globo

Os políticos colhidos nessa crise gostam de discutir detalhes para ver se escapam do todo. Na comissão do impeachment, por exemplo, os defensores de Dilma se agarram a minúcias como os náufragos se penduram em pequenas tábuas. Nos últimos dias, a perícia, pedida por eles e concedida pelo ministro Ricardo Levandowski, ficou avaliando se houve ato da presidente nos atrasos ao Banco do Brasil.

Ora, ocorreu muito mais do que isso. Houve a demolição sistemática, deliberada e implacável das bases que sustentavam a economia brasileira e, com isso, ela desmoronou. Houve decisão da presidente de cometer durante anos atentados à lei que proíbe uso dos bancos controlados pelo governo. Esse é o conjunto da obra, da qual os ex-governistas tentam desviar as atenções. A semana foi clara em mostrar isso, porque o relatório do TCU indicou que há muito mais irregularidades do que as descritas no pedido de impeachment da presidente afastada.


Os três peritos podem fazer um excelente trabalho analisando com lupas se há pegadas da presidente Dilma na decisão de atrasar o pagamento ao Banco do Brasil dos custos dos subsídios aos proprietários de terra. Mas quem governa é o responsável. A menos que tudo tenha ocorrido contra a sua vontade. Como foram muitas e frequentes as pedaladas ela terá que explicar a omissão.

Os peritos terão que dizer também se os decretos de aumentos de gastos aumentaram os gastos mesmo. Isso no ano em que a administração Dilma prometeu superávit e entregou um buraco de R$ 118 bi. Os números e os fatos falam por si. Nada disso vai atrapalhar o processo da comissão de impeachment. Talvez atrase em uma semana o julgamento de Dilma em plenário. Hoje até aliados ferrenhos já admitem que Dilma não tem mais condições de governar. Esse é o quadro amplo. E ela não tem, não porque exista um ato direto assinado por ela dizendo que o Tesouro deveria pendurar o papagaio no Banco do Brasil, mas porque ela desorganizou a economia numa dimensão sem parâmetros na história econômica do Brasil.

Há também a LavaJato. O escândalo tem jogado luz sobre sombras de vários partidos, mas são muitos os indícios de a campanha de Dilma ter sido financiada por dinheiro que veio do esquema sujo na Petrobras. Nas suas obras completas há vários outros erros que a presidente afastada cometeu que levaram seu governo a perder a governabilidade.

Autoritarismo no trato, falta de diálogo com o poder legislativo, incapacidade de ver seus próprios erros. A lista é bem grande. Mas a demolição da economia será sempre central em qualquer avaliação desta página infeliz da história.

O senador Antonio Anastasia, relator do impeachment, não disse se vai avaliar as pedaladas de 2014, mas as notícias que circulam é que sim, ele o fará. Os senadores favoráveis a Dilma defendem que só 2015 está em julgamento. Qualquer coisa anterior a isso seria nulo por ser outro mandato.

Se esta questão em algum momento for ao STF, os ministros poderão esclarecer o seguinte: se um governante afrontar a lei no último ano do mandato, para se reeleger, e conseguir seu objetivo, a eleição se torna uma anistia? Em mandatos consecutivos, o governante não responde por crimes que tenha cometido no período anterior? A lei que diz que um presidente não pode ser processado por atos alheios ao exercício de suas funções pode ser invocada quando se está discutindo exatamente o “exercício de suas funções”?

Se a resposta for sim às perguntas do parágrafo anterior estamos claramente diante de uma falha que vem do fato de a Constituição ter sido escrita antes da reeleição, não considerando a possibilidade de um presidente suceder a si mesmo. Se houver uma batalha jurídica em torno da tese de que os crimes da presidente Dilma em 2014 não podem ser punidos, só porque ela foi reeleita, será um bom combate. Talvez disso saia a conclusão sensata de que maus governantes, que descumpram a lei, principalmente com o objetivo de se reeleger, devam ser punidos. Ponto. Nas brigas jurídicas há sempre a tendência de se discutir os detalhes da minúcia, principalmente quando não se tem razão, mas é fundamental que o país não perca a visão de conjunto: Dilma está caindo porque destruiu a economia e o fez infringindo a lei fiscal do país.

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