sexta-feira, 10 de junho de 2016

Pablo Larraín diz que seu filme joga luz sobre a produção de Pablo Neruda

• Longa combina política e ideologia com poesia

Manohla Dargis - The New York Times

CANNES - O diretor chileno Pablo Larraín qualificou seu mais recente filme,Neruda, como “antibiografia”. Em parte verdade fato, em parte fantasia, o filme tem início em 1948, pouco antes de o poeta (magnificamente interpretado por Luis Gnecco) ser forçado a se esconder. Senador e comunista, Neruda foi considerado inimigo do Estado quando condenou violentamente e em público o presidente chileno Gabriel González Videla. Expulso do Senado e da sua casa, Neruda teve de fugir com sua mulher, Delia (Mercedes Moran) e o casal passa a viver na clandestinidade, mas continuamente perseguido por um petulante policial (interpretado por Gael García Bernal).

Em Neruda, Larraín se afasta dos clichês sobre a vida até a morte do poeta em favor de um filme formalmente empolgante, inserindo Neruda num momento histórico específico e mostrando-o como o poeta do povo – dos intelectuais, trabalhadores e prostitutas.

O filme foi exibido na Quinzena dos Realizadores, mostra que acontece paralelamente ao Festival de Cannes. O último filme de Larraín, de 39 anos, exibido na Quinzena em 2012, foi No, episódio final da sua trilogia sobre a vida à época da feroz ditadura Pinochet.

Conversei com Larraín sobre biografia, cinema e por que Neruda – que é um filme muito melhor do que alguns da competição oficial do festival, não estava na seleção principal de filmes. Abaixo, trechos da nossa conversa.


• Você não quis fazer uma biografia típica. Por quê?

Porque acho que filmes biográficos são perigosos, gostei de poucos. Acredite, li quatro biografias, li a autobiografia de Neruda, um belo livro. Conversei com pessoas que tiveram contato com ele, li centenas de ensaios sobre sua vida e realizei um filme chamado Neruda. E confesso que, mesmo agora, não tenho a mínima ideia de quem era ele, porque Neruda é impossível de ser captado, de ser enquadrado em uma categoria. Você pode realizar 100 filmes sobre ele e jamais conseguirá isso. Assim, quando você entende esta problemática, se sente muito mais livre. Por isso, qualifico esse filme como “Nerudiano”, porque para nós – em meu país e em nossa língua –, Neruda foi um homem que criou um cosmo muito complexo e profundo. Era um maravilhoso cozinheiro, especialista em vinho, em literatura, romances policiais. Um homem que colecionava todo tipo de coisa. Ele possuía três casas, que hoje são museus e alguns dos mais belos do mundo. Sua poesia é muito variada. Neruda escreveu sobre múltiplas coisas de múltiplas maneiras, de modo que é terrivelmente complexo. Por isso, decidimos nos concentrar não nos poemas que foram traduzidos e são conhecidos em todo o mundo, seus poemas de amor – mas naqueles que expressam raiva e fúria, que combinam política e ideologia com poesia, e criar este paradoxo, este espaço não realista.

• Poderia falar sobre o ator principal do filme, Luis Gnecco? A semelhança com Neruda é incrível. A maquiagem e outros efeitos ajudaram?

Somente a peruca. É engraçado porque trabalhei com Luis muitas vezes. Ele atuou também em No. É um ator durante toda a sua vida lutou com problema de peso. Finalmente conseguiu emagrecer. Eu o procurei, convidando-o para fazer o filme. Ele concordou, imediatamente. Mas ele teria de engordar 25 quilos, o que é bastante. Ele me olhou e disse. “Pablo, levei um ano para chegar aqui.” Eu respondi: “Meu caro, Neruda era um homem que desfrutava da vida, você tem de engordar”. E ele aceitou e engordou, o que foi fantástico. Era importante. Impossível ter um Neruda magro.

• O filme me pareceu um pouco púrpura, como quando filmes coloridos antigos ficam rosados. Era o que você aspirava?

Um pouco. Em espanhol dizemos “lilás”. É vermelho e azul e filtramos a cor. Foi complicado achar o tom exato. Refizemos várias vezes o trabalho de correção da tonalidade. Não queríamos um tom exagerado. Tínhamos de achar o equilíbrio para chegar àquelas cores.

• Você pretende um dia fazer um filme sobre Salvador Allende?

Não é meu objetivo agora. Já pensei nisso, mas não acredito que o farei. O problema é que, se você faz um filme sobre alguém como ele, tem de criar alguma empatia, compaixão, respeito, e jamais conseguiria. Guardo muito ódio.

• Em 2012, você afirmou ter sido criticado porque seus pais eram de direita, seu pai senador. Ele ainda ocupa o cargo?

Sim. Quando você realiza filmes como No, as pessoas esperam que o filme se torne uma obra internacional – e conte a história para aqueles que não a conhecem. E, às vezes, o filme não produz esse efeito e isso as perturba. Lembro de um indivíduo que qualificou o filme de lixo ideológico. Eu o achei excelente. Mas o cinema não é para isso. Não estou aqui para dizer às pessoas o que elas têm de pensar, não quero mudar nada. Nem me sentir responsável. Não creio em responsabilidade. Acredito em respeito, o que não o é mesmo.

• Então, por que o seu filme não está competindo?

(Risos) Naturalmente, o que ocorre em particular deve ficar em particular. O que é aborrecido, mais do que não estar concorrendo, é responder a essa pergunta em 15 entrevistas. Você produz filmes, não os seleciona. Falamos com as pessoas que decidem em Cannes e não houve acordo. E Edouard Waintrop, da Director’s Fortnight, adorou o filme. Estive aqui três vezes e é como tudo na vida, você vai aonde se sente amado. / Tradução de Terezinha Martino

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