terça-feira, 21 de junho de 2016

Pagando mico - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

O ministro Geddel Vieira Lima, da Secretaria de Governo, não cansa de dizer que o governo Temer não vai deixar que o Brasil “pague mico” na Olimpíada. Deus o ouça, porque nada está fácil. Na melhor das hipóteses, a Olimpíada de 2016 vai seguir o caminho da Copa de 2014: torrentes de más notícias antes, um sucesso durante e um misto de dívidas e elefantes brancos depois.

O Planalto estava desolado ontem com mais uma manchete negativa desabando sobre o Rio de Janeiro, que continua lindo, mas... Num dia, o governador interino Francisco Dornelles decreta estado de calamidade. No outro, 25 bandidos (25?!), armados com fuzis e explosivos, invadem o hospital Souza Aguiar, matam um paciente, ferem duas outras pessoas e resgatam um famoso traficante. O Souza Aguiar tem a maior emergência do Estado e é um hospital da Olimpíada.


O mundo, que há alguns anos olhava para um Brasil alegre, promissor e pujante, agora vê um País deprimido, sem horizonte e desabando. É a propaganda do “golpe”, crise econômica, corrupção, zika, chikungunya, dengue, H1N1, poluição da Baía de Guanabara, obras atrasadas. Nem a ciclovia recém-inaugurada fica de pé. Sem falar nos velhos males, como a violência urbana. Até adolescentes e crianças são ora massacrados por balas perdidas, ora tragados pelo tráfico.

As conexões dos órgãos de inteligência com o mundo são importantes, fundamentais até, para tentar detectar qualquer tipo de ameaça terrorista, num mundo em que o terrorismo visa multidões, jovens e cidadãos dos países ricos, presenças obrigatórias em Olimpíada. Mas CIA (EUA), Mossad (Israel), DGSE (França), MI-5 (Reino Unido) e SVR (Rússia) não têm nada a ver com a profunda crise do Brasil, a falência do Rio, traficantes, balas perdidas, obras atrasadas e propinas. (Sem contar, cá entre nós, que eles próprios têm levado bolas fora no combate ao terrorismo e na prevenção de ataques).

Então, quem pariu a Olimpíada (na época das vacas gordas) que a embale (nas vacas magérrimas), o que significa que o governo federal tem de despejar boa vontade e recursos no Rio e, por conseguinte, nos demais Estados igualmente depauperados. Se dá para o Rio, tem de dar para Rio Grande do Sul, São Paulo, Mato Grosso, Minas Gerais... todos eles afundando em crises, atrasando salários e ameaçando o futuro político de seus governadores. Sem luz no fim do túnel.

É assim que o governo interino de Temer vive no pior dos mundos: o impeachment definitivo de Dilma Rousseff vai esticando, três ministros já caíram, outros estão na mira da Justiça e a crise na economia corrói os resquícios de otimismo. Nessa conjuntura, Temer aposta as fichas na sua equipe econômica e confia no seu taco para aprovar o que tem de ser aprovado no Congresso. Mas isso implica um sem-fim de concessões – e micos.

Na política, Temer cedeu cargos a torto e a direito para manter sua base aliada e chegou a nomear para a Secretaria de Futebol do Ministério do Esporte o ex-deputado Gustavo Perrella, bem conhecido depois que o helicóptero da sua família foi flagrado pela polícia transportando mais de 400 quilos de cocaína. No fim do governo Dilma, o marido da “Miss Bumbum” causou frisson. O que dizer de Perrella no começo do governo Temer?

Na economia, o presidente interino já cedeu aos funcionários do Judiciário, mesmo contabilizando o efeito cascata nos Poderes e nas demais categorias. Agora, cede ao Rio, por causa da Olimpíada, mesmo sabendo do efeito cascata nos demais Estados e, quiçá, nos municípios. Bem, e como fica o ajuste fiscal, se o rombo é de R$ 170 bilhões? Em época de cobertor curto, Temer prometeu “a revisão do pacto federativo”, mas o problema é fazer um pacto com quem acaba pagando a conta: a sociedade brasileira.

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