quinta-feira, 2 de junho de 2016

PIB surpreende, mas desemprego e incerteza política preocupam

• Analistas já revisam para cima projeções feitas para 2016 e esperam retração menor da economia

Álvaro Campos, Ricardo Leopoldo, Francisco Carlos de Assis, Mateus Fagundes e Gabriela Lara - O Estado de S. Paulo

O resultado do PIB do primeiro trimestre ainda traz notícias negativas da economia brasileira sob basicamente todos os ângulos, mas mesmo assim surpreendeu positivamente os analistas, que esperavam um desempenho ainda pior. Alguns economistas já estão revisando para cima suas projeções para o ano, porém as turbulências políticas continuam sendo uma fonte muito grande de incertezas, assim como a deterioração do mercado de trabalho, que deve afetar mais fortemente o consumo doméstico no restante do ano.

O PIB dos três primeiros meses do ano caiu 0,3% ante o quarto trimestre do ano passado, quando a mediana das projeções era de retração de 0,8%. Os destaques foram uma queda menos acentuada da indústria e o aumento nos gastos do governo, além da continuidade do bom desempenho do setor externo. Ainda assim, a retração no consumo das famílias e na formação bruta de capital fixo continua forte.


Na avaliação do professor de economia do Insper João Luiz Mascolo, ainda há muita incerteza política pela frente. Segundo ele, o pior cenário seria a volta da presidente afastada, Dilma Rousseff. Por outro lado, se o presidente em exercício, Michel Temer, conseguir aprovar projetos importantes no Congresso, as projeções para a economia poderiam melhorar um pouco. "Para este ano, uma queda de cerca de 3,8% já está dada. Pode haver alguma melhora pequena, mas não faz muita diferença", opina. O economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otavio de Souza Leal, tem uma visão semelhante. Segundo ele, os analistas entendem que com Temer algumas reformas estruturais vão destravar. "Qualquer tipo de ruptura neste sentido vai fazer com que trave de novo a economia", alerta.

Uma das principais surpresas nos dados do PIB foi o consumo do governo, que subiu 1,1%, na margem. Para a sócia da consultoria Tendências Alessandra Ribeiro, que esperava uma alta bem menor, de 0,3%, isso pode ser explicado em parte por gastos de custeio da máquina pública. A britânica Capital Economics é mais clara, afirmando que essa expansão foi uma última tentativa de Dilma de tentar recuperar apoio popular. Entretanto, com a necessidade de colocar as contas públicas em ordem, esse impulso não deve se repetir nos próximos trimestres, alerta a consultoria.

Outro fator preocupante para a economia é a forte deterioração do mercado de trabalho, com o desemprego subindo fortemente nos últimos meses. "O Brasil continua com o mercado de trabalho complicado e o crédito permanece em um terreno negativo. Apesar de começarmos a ver a reversão de expectativas por causa do novo governo, medidas concretas para resolver o fiscal e melhorar a economia ainda não foram vistas", avalia a economista-chefe da Rosenberg Associados, Thais Zara.

Enquanto o governo tenta estimular o otimismo dos empresários e assim retomar os investimentos - já que com a necessidade de austeridade fiscal essa recuperação não virá do setor público - os analistas apontam que a administração Temer precisa começar a entregar ações concretas. "As empresas vão querer ter primeiro uma visão mais qualificada, mais embasada e garantias de que o discurso do governo está se convertendo em realidade", comenta o assessor econômico da Fecomercio-SP, Fábio Pina.

Mesmo na indústria, onde a queda foi bem menor que o esperado, as expectativas ainda não são exatamente alvissareiras. O presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, explica que dado ao tamanho da capacidade ociosa no momento, será muito difícil a indústria apresentar alguma reversão neste ano. Segundo ele, uma pesquisa da entidade chegou a apontar que alguns empresários já estão voltando a investir, mas não se trata de aumento da capacidade produtiva e sim adequações para focar no mercado externo.

O setor externo, por sinal, foi um dos poucos itens com desempenho positivo no PIB, mas essa melhora não indica necessariamente um aquecimento da atividade. Na comparação com o primeiro trimestre de 2015, as exportações de bens e serviços cresceram 13,0%, enquanto que as importações despencaram 21,7%. Ou seja, é a queda do consumo interno que está levando a uma melhora nas contas.

Entre os mais pessimistas, o ex-diretor de Política Monetária do Banco Central Luís Eduardo Assis diz que os dados do PIB do primeiro trimestre não trazem muito alento. De acordo com ele, em breve a economia baterá no fundo do poço, simplesmente porque não há como cair 4% indefinidamente e porque a inflação já está recuando. "A questão é que não dá para saber o que vai acontecer daqui para frente, e recuos de quase 4% por dois anos consecutivos são uma queda cavalar", afirma.

Já no lado dos mais otimistas, o economista-chefe da Quantitas Asset Management, Ivo Chermont, acredita que o PIB este ano agora pode ficar mais perto de -3% do que de -4%. Ele destaca que a queda dos estoques foi menor no primeiro trimestre do que no anterior. "Isso pode indicar que o ajuste de estoque da economia está chegando ao fim. E quando chega ao fim, o empresário precisará fazer novos investimento", avalia. Já o economista-chefe da LCA consultores, Braulio Borges, diz que há sinais de estabilidade de consumo e investimento para o segundo trimestre. "Quando o cenário econômico fica mais claro, num contexto de elevada ociosidade das empresas e de alto desemprego, o tamanho da recuperação cíclica do PIB poderá ser maior do que o esperado hoje".

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