quinta-feira, 30 de junho de 2016

Que pensadores definirão nosso futuro? - Bradford DeLong

• O desafio agora diante de nós é: qual a melhor forma de concretizar as oportunidades disponíveis ao aperfeiçoamento humano em benefício de todos. Não consigo ver guias mais úteis para enfrentar esse desafio do que Keynes, Polanyi e Tocqueville

- Valor Econômico

Vários anos atrás, ocorreu-me que os cientistas sociais estão, hoje, todos apoiados nos ombros de gigantes como Nicolau Maquiavel, John Locke, Adam Smith, Alexis de Tocqueville, Max Weber e Émile Durkheim. Uma coisa que todos têm em comum é que seu foco principal foi na composição social, política e econômica do mundo na Europa Ocidental entre 1450 e 1900. Ou seja, eles fornecem ferramentas intelectuais para examinar, digamos, o mundo ocidental de 1840, porém não necessariamente o mundo ocidental de 2016.

O que será ensinado nos cursos de teoria social em, digamos, 2070? Qual cânone - escrito hoje ou ainda por escrever - aqueles que findarem suas carreiras nas década de 2070 desejarão que tivessem usado quando as iniciaram no fim dos anos 2010?

Após ponderar essa questão durante anos recentes, reduzi a minha escolha aos textos de três pessoas: Tocqueville, que escreveu na década de 1830 e 1840; John Maynard Keynes, que escreveu nos anos 1920 e 1930; e Karl Polanyi, que escreveu na década de 1930 e 1940.


As preocupações centrais de Keynes focadas em seu tempo soam verdadeiras, hoje. Ele preocupava-se com a fragilidade de nossa prosperidade coletiva e com as graves tensões entre nacionalismos e as atitudes cosmopolitas desenraizadas que fundamentam uma sociedade mundial pacífica e próspera. Ele concentrou-se em como organizar nossas atividades e usar nossa prosperidade para criar um mundo adequado à vida boa. Ele procurou expor a falência de panacéias ideológicas em ascensão: laissez-faire, ordem espontânea, cooperação coletiva, planejamento central. E considerou profundamente os problemas tecnocráticos da gestão econômica - e sobre os desastres sociais, morais e políticos que resultariam de não solucioná-los.

Após a Segunda Guerra Mundial, os problemas que preocupavam Keynes dissolveram-se num segundo plano, à medida que a renovada prosperidade no Ocidente levou muitos a acreditarem que os problemas tinham sido solucionados permanentemente. Mesmo durante a estagflação (crescimento lento e preços em alta) na década de 1970, dizia-se que o problema era a reação social-democrata exagerada, e não alguma falha fundamental na economia política do Ocidente.

Esse argumento abriu caminho para a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher e o presidente americano Ronald Reagan reduzirem o papel econômico do Estado e liberarem as forças de mercado. A correção implementada por Thatcher-Reagan foi um sucesso inquestionável entre as classes endinheiradas, que prosperaram. Criou-se um consenso ideológico que dominaria a esfera pública entre 1980 e 2010.

A prosperidade no pós-guerra também ofuscou os problemas centrais que Polanyi analisou nas décadas de 1930 e 1940. Polanyi aceitou que uma sociedade de mercado poderia produzir uma boa dose de prosperidade material, mas ele preocupou-se com que tal sociedade somente poderia fazê-lo transformando as pessoas em marionetes e brinquedos das forças insensatas do mercado, e que as pessoas não aceitavam muito bem esse novo papel. A meta, para Polanyi, era alcançar a prosperidade que a economia de mercado gera, sem sofrer os riscos de pobreza, destruição criativa e erosão de comunidades resultantes da ação das forças de mercado.

Polanyi alertou que se a ordem burguesa moderna descumprisse essa tarefa, movimentos políticos autoritários e totalitários seriam beneficiados. No pós-guerra, o "argumento do bom tempo" segundo o qual a prosperidade impulsionada pelo mercado justifica qualquer sofrimento social colateral foi aceito como um dado; isso também definiu a visão consensual da classe endinheirada e seus aliados ideológicos.

Isso nos leva a Tocqueville, que escreveu há quase dois séculos, cujas preocupações centrais nunca desapareceram. Tocqueville concentrou-se nas consequências da destruição de castas como um princípio de ordem social e política. As grandes castas - dos supostamente francos na nobreza da espada e na nobreza da toga aos mercadores protoburgueses e servos galo-romanos - todos conferindo a seus membros pequenas liberdades e uma medida de autonomia pessoal em troca de obrigações para com o Estado. (E, naturalmente, quanto mais baixo o status social, maiores as obrigações).

Tocqueville viu esse mundo rigorosamente ordenado ser substituído por democracia e igualdade social formal, em que todos seriam igualmente livres, mas permaneceriam também igualmente à mercê da sociedade. Nessa nova configuração, nenhum privilégio ou liberdade o protegeria caso você não conseguisse encontrar uma contraparte no mercado, ou entrasse em conflito com a tirania da maioria, ou simplesmente procurasse alguma forma de direção ao tentar definir sua identidade.

No mundo de Tocqueville, a destruição da casta era apenas parcial. Ele escreveu para homens brancos que conheciam sua nacionalidade, sabiam o significado de adesão à casta e sabiam os privilégios produzidos por tal adesão.

Em nosso tempo, a destruição de casta e dos privilégios de castas está dando mais um passo adiante. O período de domínio político dos homens brancos nas democracias ocidentais está chegando ao fim. E chega ao fim num momento em que o populismo econômico está substituindo a gestão tecnocrática, quando os homens brancos estão recorrendo ao nativismo como reação à destruição de seus empregos e meios de subsistência pelas forças impessoais da globalização.

Como podemos ver em um país após outro, a velha ordem não cederá sem lutar. Nenhuma velha ordem o faz. Mas o privilégio encastelado dos homens brancos está condenado. O desafio agora diante de nós é: qual a melhor forma de concretizar as oportunidades disponíveis ao aperfeiçoamento humano em benefício de todos. Não consigo ver guias mais úteis para enfrentar esse desafio do que Keynes, Polanyi e Tocqueville. (Tradução de Sergio Blum).
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J. Bradford DeLong é professor de Economia da Universidade da Califórnia, Berkeley, e pesquisador adjunto da Agência Nacional de Pesquisa Econômica.

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