domingo, 12 de junho de 2016

Referendo autorrevogatório - Merval Pereira

- O Globo

Fazer um mau governo não é condição aceitável para um pedido de impeachment numa democracia representativa, a não ser que exista a previsão do recall na Constituição, instrumento que permite aos eleitores voltarem às urnas para tirar do posto aquele governante que não estiver agradando à maioria. Uma espécie de voto de desconfiança parlamentarista no presidencialismo.

As condições para tanto estarão fixadas previamente em lei, e, como agora na Venezuela, um referendo revogatório pode definir a saída do presidente Nicolas Maduro. Não há razão, portanto, para que se estranhe a retirada de cena da presidente Dilma Rousseff por uma questão fiscal que pode ser considerada equivocadamente menor, mas prevista na Constituição.


Mais importante, porém, é verificar que a manipulação dos controles fiscais deve ser punida fortemente porque pode levar, como levou, o país à falência, com toda a série de consequências sociais que estamos assistindo. É preciso viver em outro mundo, ou não ligar lé com cré, para não entender que colocar uma Nação em recessão por dois ou três anos seguidos pelo mau uso das verbas publicas, especialmente com interesses eleitoreiros, é um crime de lesa-pátria que merece o repúdio dos verdadeiros patriotas.

É preciso ser muito cínico para sair pelo país gritando contra um suposto golpe e não dizer uma palavra sequer contra a espoliação da Petrobras, um símbolo nacional que simplesmente foi dilapidado com objetivos eleitoreiros, e deixou muita gente rica no rastro da destruição. Assim como a Eletrobrás, os fundos de pensão, e assim por diante.

A razão para o pedido de impeachment é meramente técnica por culpa de uma legislação antiquada de 1950 que ignora a implantação da reeleição no país a partir de 1998. Se tivesse sido atualizada, como tantas outras leis que se ressentem disso, a do impedimento presidencial não separaria os mandatos do político reeleito, deixando de darlhe um cheque em branco do primeiro para o segundo mandato.

Ao interpretar a lei em vigor com olhar anacrônico, os juristas fazem um mal ao país, pois não permitem que prevaleça o bomsenso na execução das normas legais. Os crimes diversos de que a presidente afastada está sendo acusada nas várias delações premiadas mostram uma governante muito menos imaculada do que o marketing político quer fazer crer, e reforçam a ideia de que o conjunto da obra é de tal modo avassalador que não há razão para que políticos de boa-fé fiquem em dúvida sobre a necessidade de mantê-la longe do Palácio do Planalto.

É possível não simpatizar com o presidente interino Michel Temer, até mesmo lamentar que o poder tenha caído no colo do PMDB, um partido que paga a conta de seu passado fisiológico com a permanente ameaça de ser atingido por investigações da Lava Jato. Mas não é possível aceitar a tese de que Temer não pode assumir a presidência, mesmo que esteja a merecer críticas vigorosas, ou venha a merecê-las.

Nesse caso, vale a mesma lógica abordada no início do texto: um mau governo não é razão para o impedimento do presidente. Seria mais uma jabuticaba política, aquela que não se encontra em nenhum outro país do mundo, a coroar a verdadeira pantomima em que se transformou esse período de exílio que separa a declaração da Câmara da definição do Senado sobre o impeachment.

Fica a presidente afastada a perambular pelo país às nossas custas, como um Napoleão de hospício a dizer “a presidente sou eu”, quando ela mesma sabe que presidente não tem condições de ser.

Tem razão o presidente do Senado, Renan Calheiros, quando diz que não há solução fora do que prevê a Constituição, referindo-se a essa estapafúrdia ideia de levar de volta ao governo a presidente Dilma Rousseff para que ela convoque um referendo revogatório contra si mesma.

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