domingo, 26 de junho de 2016

Temer cria relação estável com o Congresso, mas cede a barganhas

• Presidente consegue aprovar projetos sem contestar imposições da base aliada

Simone Iglesias - O Globo

BRASÍLIA - Com as incertezas políticas pairando sob o governo por conta da Operação Lava-Jato, o presidente interino Michel Temer conseguiu uma trégua com o Congresso, em especial com a Câmara dos Deputados, que a presidente afastada Dilma Rousseff não teve. Mas, para pacificar sua base de apoio, teve que ceder a pressões e barganhas. Uma das mais simbólicas foi a imposição pelo “centrão” do deputado André Moura (PSCSE) para líder do governo na Câmara.

Acéfala pelo afastamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da presidência e, com um interino, Waldir Maranhão (PP-MA), sem controle e sem respeito dos parlamentares, a Câmara se adaptou rápido ao estilo agregador de Temer. Em vez de boicotar, como fez muitas vezes com a petista, está ajudando a agilizar a aprovação de matérias de interesse do governo paradas na gestão anterior.

A diferença de postura entre a presidente afastada e o presidente interino fez com que a relação melhorasse nas últimas seis semanas, levando o peemedebista a vitórias importantes, como a aprovação da DRU (Desvinculação de Receitas da União) e da Lei das Estatais. Ele também conseguiu a aprovação rápida da nova meta fiscal, com deficit de R$ 170,5 bilhões; do reajuste dos servidores públicos e da medida provisória que abre integralmente o setor aéreo para investimentos de empresas estrangeiras.


Dilma havia mandado o projeto que ampliava a desvinculação dos recursos da União no ano passado, e o tema patinava na Câmara. No seu primeiro mês de governo, Temer aprovou o projeto. O próprio presidente interino fez questão de ressaltar nesta semana a diferença de tratamento que ele e Dilma dão aos parlamentares, dizendo que seu governo e o Congresso estão “irmanados”.

Temer avalia que o que deu certo nas primeiras semanas de seu governo deve-se em boa parte à relação com o Congresso:

— Imodestamente, nesses 40 dias, o país caminhou muito. Hoje, o apoio congressual que nós temos é um apoio que não se verifica há mais de um ano — frisou o peemedebista.

A bagagem de quem foi deputado por 24 anos é considerada pelo presidente interino a receita para a estabilidade com a Câmara vista pela última vez no governo Lula (2003-2010), outro político de perfil agregador. Diferentemente de Dilma, desde o dia 21 de maio, quando assumiu interinamente a Presidência, Temer recebeu dezenas de parlamentares, foi a almoços e jantares na casa de deputados, garantiu livre acesso aos palácios do Planalto e do Jaburu (residência oficial).

Em contrapartida, ele precisou ceder em alguns pontos, mas decidiu não fazer disso uma frente de batalha: emparedado pelo “centrão”, sequer piscou ao tornar líder do governo o deputado André Moura, que não era considerado o nome ideal pelo governo. Indicou-o no mesmo dia em que recebeu o pedido.

Dilma, que nunca teve um trânsito tranquilo na Câmara, comprou uma briga no começo do segundo mandado com Eduardo Cunha, o que foi considerado pelos deputados o começo da rebelião que ela enfrentou até o dia em que foi afastada pela Casa: interferiu na disputa por seu comando, apoiando na época um candidato sem chance, Arlindo Chinaglia (PT-SP), que foi aniquilado por Cunha.

Mais experiente, tudo o que Temer busca agora é manter distância da eleição tampão para o comando da Casa. — Eu não vou me intrometer nessa disputa. Seria impróprio, especialmente para quem passou tanto tempo lá. Fui eleito três vezes (presidente da Câmara) — afirmou na última sexta-feira.

— A principal mudança é a experiência que Temer tem com o Legislativo. A avaliação que todos fazem na Câmara é que ele é um de nós. É um deputado que virou presidente, conhece a dinâmica do Legislativo, sabe que para o deputado é importante ser recebido, pedir apoio para uma obra ou liberação de recurso. Dilma, quando tentava fazer isso, era desastrada.

Errava o nome dos deputados, não sabia de que região era e qual a área de atuação, não tinha assunto — comparou um ministro de Temer que também atuou no governo Dilma. Já na montagem do primeiro escalão, o presidente interino não conseguiu montar o ministério de notáveis com que sonhava. Cedeu ao loteamento partidário para tentar garantir a aprovação final do impeachment de Dilma e uma base segura no Congresso. A rendição teve seu preço.

Em pouco mais de um mês de governo, três ministros caíram por envolvimento ou tentativa de obstrução da Lava-Jato. Com o noticiário mostrando dia a dia novas denúncias e delações envolvendo políticos, Temer tentou dar certa tranquilidade aos seus ministros. Defendeu publicamente o titular da Educação, Mendonça Filho, citado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, como beneficiário de R$ 100 mil de recursos ilegais ligados à empreiteira UTC.

Eleito deputado, Mendonça não é o único na Esplanada que foi financiado nas últimas campanhas por empresas envolvidas na Lava-Jato. Outros 14 ministros que concorreram na última década receberam doações da Odebrecht e da OAS, entre outras com problemas com a Justiça.

Apesar de Temer cobrar que os envolvidos em irregularidades saiam do governo, ele deixou claro aos ministros que só se apegará a denúncias que tenham fundamento e que não fará uma caça às bruxas, criminalizando doações eleitorais.

— É claro que existe um incômodo permanente com esse assunto, mas o governo não pode ficar acuado, demitindo qualquer pessoa citada. Todo mundo sabe que quem financia campanha, no geral, são as empreiteiras e os bancos, e que a maioria dessas doações não são irregulares.

Cabe ao governo filtrar, ver o que tem consistência e o que é denúncia frágil — disse um interlocutor presidencial. Um desses ministros, que recebeu doação da Odebrecht em campanha para deputado, disse reservadamente ao GLOBO que, passadas as turbulências iniciais do governo, Temer assumiu o controle, dando a todos os auxiliares clareza sobre o que deve motivar ou não as demissões.

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