quinta-feira, 16 de junho de 2016

Trilha confusa - Míriam Leitão

- O Globo

Muitas mudanças e reformas têm que ser feitas para que a PEC de teto dos gastos funcione. Há despesas com reajustes já definidos e a mais incontrolável delas é a previdência. O dia de ontem foi cheio. O presidente, que é interino, mandou o projeto para limitar os gastos por 20 anos e o TCU divulgou um relatório que pode levar à rejeição das contas da presidente afastada pelo segundo ano consecutivo.

Confirmando a sina dos tempos atuais — de haver mais eventos a cada dia do que cabem em 24 horas — a delação premiada do ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, foi divulgada ontem também. Nela, ele disparou a sua metralhadora giratória sobre os mais poderosos políticos do PMDB. Mas sobrou bala para outros lados partidários. Em determinado momento da tarde a versão online deste jornal tinha duas manchetes.


Mas fiquemos na economia, que há muito a analisar e comentar por aqui. A emenda constitucional que fixa como teto para aumento dos gastos a inflação do ano anterior tem vários problemas. Um deles é prático, como lembrou o jornalista Ribamar Oliveira, do “Valor Econômico”, na entrevista. Como o governo pretende limitar os gastos pela inflação do ano anterior, se o Orçamento tem que ser feito em agosto e ainda não se sabe a taxa do ano?

O ministro Henrique Meirelles não respondeu a esta questão diretamente. Disse que serão feitas estimativas. Mas não dá: Orçamento tem que dizer quando poderá ser gasto em cada rubrica, se o limite é um número que será desconhecido — a inflação do ano todo — ficará difícil fazer o Orçamento. As projeções mais longas para a inflação dificilmente se confirmam. Em agosto de 2014, a expectativa para o IPCA de 2015 estava em 6,25% no relatório Focus. A taxa, como se sabe, terminou o ano passado em 10,67%.

O outro problema foi levantado por vários jornalistas durante a entrevista: a previdência é o maior dos gastos e ela estará fora desse limite. Pior, muitos dos benefícios que ela concede são pelo salário mínimo, cuja regra de indexação é a inflação do ano anterior com o crescimento do PIB de dois anos antes. O ministro Meirelles disse que uma “força-tarefa” está formulando a reforma da previdência, e que as outras duas grandes despesas, Saúde e Educação, estão dentro do limite. Mas se a reforma demorar, e a despesa da previdência crescer muito, os outros gastos terão que encolher proporcionalmente mais.

A crise já está afetando a Saúde e a Educação. Levantamento da ONG Contas Abertas mostra que os gastos com as duas pastas cresceram acima da inflação entre 2001 e 2015. Em termos reais, o total pago pelo Ministério da Educação saltou 194% no período, para R$ 123,8 bi. Ele inclui aqui o gasto com o Fies, que deu um salto até 2014. O Orçamento global da Saúde cresceu 78%, para R$ 106,1 bi. Mas em 2015, com a crise, houve recuo de 5,1% e 1,9%, respectivamente.

— Cortar os gastos sociais é mexer em casa de maribondos. Mas é preciso que fique claro na discussão que o quadro ruim das contas públicas já tinha derrubado os gastos com Saúde e Educação. Para que a proposta de emenda tenha efeito na redução das despesas será necessário enquadrar os gastos sociais no teto. Esse será o grande teste político do governo Temer — explica Gil Castello Branco, secretário geral da Contas Abertas.

Para mudar a dinâmica de crescimento desse tipo de obrigação, será necessária uma série de alterações em regras ou mesmo desvincular várias despesas que hoje estão atreladas ao salário mínimo. São decisões que dependem muito do ambiente político e exigem bastante esforço.

No TCU, o ministro José Múcio leu seu relatório preliminar sobre as contas da presidente Dilma em 2015. Foi devastador. Um prazo de 30 dias foi dado para a presidente, mas dificilmente escapa-se da recomendação de rejeição. O governo Dilma cometeu muito mais irregularidades do que os dois pontos que estão sendo discutidos no processo de impeachment — “pedalada” no Banco do Brasil e decretos de gastos sem autorização do Congresso. Há “pedaladas” no BNDES e há irregularidade inclusive no pagamento das “pedaladas” de 2014. Até pela desordem feita por Dilma nas contas públicas, elas precisam de um limite, mas o governo escolheu um caminho que pode ser mais confuso do que ele está imaginando.

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