quinta-feira, 9 de junho de 2016

Uma eleição no meio - Maria Cristina Fernandes

• Mudanças eleitorais este ano estão em curto circuito

- Valor Econômico

Reeleito para a Câmara, o deputado Eduardo Cunha, deu início à fase mais aberta de sua campanha pela presidência da Casa durante o segundo turno presidencial. À mesa de um restaurante no Alto de Pinheiros, em São Paulo, contabilizou os custos de um mandato. Contou que valia mais a pena pagar multas eleitorais por deixar cavaletes nas ruas do que mão de obra para retirá-los e revelou que um bom vereador é capaz de conseguir até 20 mil votos para um deputado federal a um custo de R$ 60 mil. Só outra lei, dizia, mudaria isso. Não falava do financiamento de campanha, mas do voto proporcional, que, na sua sempre enfática opinião, encarece as campanhas.

Cunha sabia do que falava. Estendeu sua sobrevida parlamentar graças à bancada que ajudou a eleger, com a facilidade, já demonstrada pelos autos, de amealhar recursos. A lei mudou, não no sentido pretendido, mas no freio à dinheirama empresarial. A próxima disputa municipal é a primeira sob as novas regras. É possível que o mercado de vereadores se ressinta da fuga de capitais, mas não há como dissociar seus mandatos dos federais. Seja pelo modelo que pulveriza a caça de votos do deputado por todo o Estado, seja pela necessidade de a política municipal azeitar os canais com seus vereadores federais.


O destino de Eduardo Cunha não vai mudar uma lei da política nacional, a de que a disputa municipal antecipa a tendência das eleições gerais. A deste ano acrescenta um atributo, o de testar as novas regras em vigor, tanto para o financiamento quanto para o horário eleitoral. Paira no mercado político a crença de que essas mudanças estão em curto circuito.

A despeito de a campanha de TV ter sido encurtada, com dois programas de dez (em vez de 25) minutos durante 35 (e não mais de 45) dias, aumentou o número de comerciais. Aqueles spots que pegam o telespectador desavisado poderão somar 70 minutos por dia, mais do que o dobro da regra anterior. Como terão duração de 30 a 60 segundos, os candidatos podem vir a aparecer no meio da programação de TV até 140 vezes por dia. E não apenas os prefeituráveis. A lei reservou 40% deles a vereadores.

A economia de custos proporcionada pelo encurtamento nos dias e na duração dos programas foi anulada pelos gastos extras com o acréscimo de spots. As contas desse pesadelo televisivo não fecham porque terão que se limitar, no máximo, a 70% do declarado em 2012. É um limite fácil de cumprir pela vedação de doações empresariais e difícil pela produção de comerciais.

Com estas regras, é inevitável uma judicialização exacerbada. Se hoje um prefeito é cassado a cada oito dias por crime eleitoral, é previsível que a instabilidade cresça na política local onde se fermenta a composição do Congresso a ser eleito em 2018. Pavimentado ainda pelas incertezas da Lava-Jato, o terreno das previsões é, certamente, movediço.

A coletânea de artigos reunidos por Antonio Lavareda e Helcimara Telles ("A lógica das eleições municipais", FGV, 2016), encarou o risco. Relaciona as chances de reeleição de prefeitos ao crescimento econômico pelo efeito deste sobre as finanças municipais. A economia seria parte da explicação por 2008, quando o país cresceu 5,2%, ter sido o ano de ouro da reeleição municipal (67%). Em 2012, quando o PIB cresceu 0,9% a reeleição caiu para 55%, a pior taxa desde 2000.

Este ano, como o PIB deve emagrecer 3,7%, é de se imaginar que um novo recorde de rechaços esteja para ser batido. A regra de três, no entanto, desconsidera que numa campanha mais curta e com menos dinheiro, quem está no poder tende a ser beneficiado. Os comandantes de máquinas municipais tendem a rivalizar com quem já é conhecido, vide comunicadores e artistas. Na disputa pela vereança, quem já tem rebanho, como pastores e sindicalistas, também pode levar vantagem. 

Numa e noutra, deve haver uma inflação de candidatos com origem nos ofícios da Lava-Jato (polícia, procurador e juiz). Como a campanha não restringe que se gaste de seu próprio dinheiro, é previsível que candidatos empresários possam ter mais chance do que aqueles que dependerão de doações de pessoas físicas ou do caixa 2.

Se nada for feito, é possível que em outubro se defina outro marco na fragmentação partidária, que dá ao Brasil destacado recorde mundial. Em 2012, o número de prefeituras conquistadas por pequenos partidos foi de 375 para 642. Dois anos depois a Câmara atingia a marca de 28 legendas.

A eleição de 2016 deve marcar a primeira inflexão do desempenho petista nos municípios. Entre os grandes partidos, o PT era o único a ter uma curva ascendente em eleições locais. A partir de 2016, talvez nem seja mais possível colocá-lo entre as maiores legendas da Câmara.

As eleições locais em alguns países têm servido para sacolejar o cenário nacional a partir de legendas de esquerda, como o 'Podemos' na Espanha, quanto de centro, como o 'Proposta Republicana', de Maurício Macri, que se alavancou a partir da prefeitura de Buenos Aires, até a extrema direita ocupada pela "Frente Nacional", de Marine Le Pen, na França.

O Brasil tem magra tradição na projeção nacional de prefeitos. Quando as urnas de outubro chegarem, premidas por impeachment, Lava-jato e Olimpíadas, é possível que o eleitor saia de casa para votar sem se aperceber da escolha que está por fazer. É quase um agouro. O último a governar a capital do seu Estado antes de chegar ao Palácio do Planalto foi Fernando Collor de Mello, aquele que foi derrubado cinco dias antes de Paulo Maluf vencer o primeiro turno da eleição que lhe levou à Prefeitura de São Paulo.

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