quarta-feira, 15 de junho de 2016

Uma segunda opinião - Rosângela Bittar

• Só a Justiça tem o poder de fragilizar a Operação Lava-Jato

- Valor Econômico

Evidência que se ressalta neste momento da prolongada crise política: a Operação Lava-Jato é intocável, não há a mais pálida chance de ser modificada, contida, desconhecida ou atacada sem ser veementemente defendida, por mais que os atingidos por ela se reúnam para discutir como vão sair dessa ou lamentem em todas as gravações a sua existência.

Nem mesmo a prepotência do Ministério Público, que tem brincado de Deus, ou o exarcebado culto da personalidade de integrantes do Supremo Tribunal Federal conseguirão atrapalhar a super investigação, simplesmente porque a sociedade quer a sua permanência.

Mas, no momento, são as atitudes dessas duas instituições que têm o condão de atingir a Lava-Jato, não a ação de políticos. Para ficar apenas nos dois atores mais poderosos da trama, uma vez que os políticos já perderam há muito as condições objetivas para interferir mas a todo momento são acusados por tentar, o foco se dirige ao Ministério Público e ao STF.


O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, fez ontem pela manhã coroação de uma série de atitudes estranhas que vinha tomando na última semana. Pediu ao diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello, que abra inquérito para apurar o vazamento de informações sobre os pedidos de prisão que ele, Janot, fez ao STF contra a cúpula do PMDB, por obstrução da Justiça. Inclusive de um ex-presidente da República, 86 anos, a quem deveria ser abotoada, segundo o pedido, uma tornezeleira eletrônica, certamente para que não fugisse. Janot, talvez, já soubesse, ou não, que Teori Zavascki iria recusar, à noite, a prisão, frustrando seu pedido, mas demonstrou inquietude e inconformismo.

Sempre olímpico, Janot passou ao largo de todas as críticas que recebeu até agora em diferentes momentos de sua atuação, fazendo o silêncio da segurança e superioridade. Afinal, é ele quem tem o poder das provas. No caso das prisões, porém, resolveu reagir às críticas.

Não sobre a sua iniciativa, mas a reação da opinião pública sobre o fato de que, se o pedido foi pelas razões reveladas em conversas do PMDB com o ex-presidente da Transpetro e ex-senador amigo de todos eles, Sérgio Machado, as bases eram fracas. Os políticos do PMDB pareciam mais consolar Machado do que propriamente ameaçar a Lava-Jato.

Cobrado, inclusive por integrantes do Supremo Tribunal Federal, onde alguns se sentiram pressionados acreditando que o vazamento denunciava o STF como engavetador da providência, uma insolência, Janot preocupou-se e perdeu a proverbial segurança. Há uma semana saiu do silêncio e passou a se justificar, receber solidariedade do Conselho do Ministério Público, arrancar manifestações de procuradores que atuam na Lava-Jato em Curitiba, e a fazer críticas a ministros do Supremo que reclamaram. Sacou a anacrônica razão de que é preciso procurar a quem interessa o vazamento para achar o vazador e, agora, concluiu a reação ao pedir apuração à polícia, para provar que não foi ele. Exageradamente fora da curva.

Ou o Ministério Público não tem mais gravação que prove de forma incontestável obstrução da justiça por parte dos pemedebistas, ou decidiu reagir dessa forma para que as avaliações sobre a fragilidade das gravações de obstrução fossem estancadas. Mas ontem mesmo o STF recusou os pedidos de prisão colocando um fim à derrapada do procurador.

Se Janot pediu prisão com essa conversa mole de cobras criadas para cima de Sérgio Machado, o que fará com as revelações estarrecedoras sobre a propina que o ex-senador pagou aos amigos com recursos desviados da Transpetro?

A vaidade também cria percalços ao Supremo Tribunal Federal, que não está em seu melhor momento na Lava-Jato. O único tropeço admitido pelo juiz Sergio Moro, que conduz a operação, até agora, foi com relação ao Supremo, a quem resolveu pedir desculpas por haver, certa vez, passado por cima de decisão que era exclusiva do STF. Agora, novamente, o Supremo se sentiu pressionado e ofendido, e os processos não andaram mais depressa nem mais devagar por causa da pressão do Ministério Público.

Ao anular provas de obstrução à justiça praticada por Dilma Rousseff em telefonema a Lula, anteontem, o Supremo deu o troco ao juiz Sergio Moro. Ao recusar ontem a prisão dos pemedebistas, deu lição a Janot. É a Justiça contra a Justiça que tem força para fragilizar a Lava-Jato.
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Há duas caixas pretas, verdadeiras cidadelas de auto-proteção, instaladas nos governos do PT que não serão abertas pelo novo governo Michel Temer sem a ajuda da Justiça ou de Comissões Parlamentares de Inquérito que se tornam a cada dia mais necessárias: o Ministério da Cultura e a EBC.

O Minc transformou-se no quartel general da militância assentada nas redes, com capilaridade em todos os Estados, amarrada por uma teia dos grupos de produtores e artistas que fortaleceram ainda mais seus argumentos protecionistas com a tentativa frustrada do governo Michel Temer de colocar ordem na casa. Sem se ater, de forma equivocada, apenas neste caso, diga-se, a simbolismos, o governo transformou em secretaria, no enxugamento de estruturas e cargos, o Ministério da Cultura.

Diante da gritaria, das invasões de prédios, da manifestação de produtores antes sérios e responsáveis, dos textos dos grandes diretores e artistas abonados pelo sucesso popular e transformados em militantes, das distorções até nos discursos - um deles levou o equívoco às últimas consequências, foi falar ao papa, a quem denunciou a lorota do golpe - o governo Temer recuou. Mas nada mudou, os prédios continuam invadidos e os produtores continuam a propagar no exterior falsas ideias sobre o que se passa no Brasil. Se quiser abrir a caixa preta da Cultura, o ministro Marcelo Calero deveria apoiar a criação da CPI da Lei Rouanet. Parece ser ela a dobradiça que permite lacrar o cofre da caixa.

Outra, igualmente recheada mas com frestas, pela natureza de sua atividade, é a do sistema de comunicação governamental. Só o fato de a presidente Dilma Rousseff ter dado um mandato de quatro anos ao presidente da EBC de sua confiança, apenas uma semana antes de ser afastada da Presidência pela admissibilidade do impeachment, é revelador como prova de uso político do órgão. Para referendar, o dirigente voltou ao cargo por força de liminar da justiça, e agora usa-se o afastamento dos que usavam a instituição politicamente para acusar os adversários de fazê-lo. Balbúrdia maior só a da Cultura.

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