sexta-feira, 1 de julho de 2016

A fatura inevitável e insustentável - César Felício

• Para garantir o longo prazo, Temer negocia a situação imediata

- Valor Econômico

O verdadeiro custo da disputa pelo poder não está nas contas por dentro ou por fora das campanhas eleitorais, ainda que estas não sejam de modo algum irrelevante. De acordo com um especialista em campanhas eleitorais, o caixa dois nas campanhas foi dez vezes superior ao caixa um em 2014, estimativa que projetaria gastos acima de R$ 1 bilhão para o caso da campanha de recondução de Dilma Rousseff.

A fatura pesada da guerra política fica no Tesouro. Estados, municípios, servidores públicos, empresários, aposentados e população vulnerável, todos e cada um, receberam fluxos de recursos da União em algum momento durante a derrocada petista e a tentativa do PMDB de ganhar legitimidade para manter-se no Planalto.

Em um quadro de instabilidade política como o atual, este custo aumenta, porque administrar escassez é nitroglicerina pura: iniciativas de austeridade econômica são procíclicas, sempre potencializam a tempestade. Pacotes de arrocho, rezam os manuais, devem ser aplicados quando se tem prestígio popular para perder. Não por outra razão Joaquim Levy foi engolfado pela guerra em 2015. Suas tentativas de ajuste erodiram as bases de apoio de Dilma no Congresso e na sociedade, e esta erosão foi decisiva para o insucesso do ministro.

A história do primeiro mandato de Dilma Rousseff havia sido o da construção de sua candidatura à reeleição, rompendo um pacto tácito de se devolver o poder a Lula em 2014. Contestado dentro de sua própria base, Dilma necessitava de uma política expansionista de gastos para sedimentar a aliança que a sustentou, e a realizou, como a história das pedaladas fiscais, pretexto para sua desgraça atual, comprova.


A tática de Temer é outra: o novo governo, com dependência absoluta do Congresso para subsistir, precisa liquidar compromissos, antes de ajustar a máquina.

Daí se compreende ter sido colocado um sarrafo tão alto para o déficit público, como demonstrou a jornalista Denise Neumann no blog "Casa das Caldeiras", do Valor PRO, em artigo no dia 29. O déficit primário do governo central foi fixado em R$ 170 bilhões, um valor superestimado diante do dispêndio dos 12 últimos meses de governo Dilma Rousseff, mesmo considerando a despesa para quitar as pedaladas fiscais. Sem o pagamento extraordinário das pedaladas, conforme demonstra Denise, o negativo entre 2015 e 2016 ficou em R$ 90 bilhões no período de um ano encerrado em maio.

Em mês e meio de governo, Temer concedeu uma moratória na prática às dívidas dos governos estaduais, referendou um aumento ao funcionalismo e anunciou a elevação dos benefícios do Bolsa Família. Também enviou ao Congresso a emenda constitucional que congela gastos públicos, em um claro movimento negocial: para entregar um modelo de longo prazo do agrado do mercado, aceita-se um curto prazo conveniente para a classe política.

Mais concessões no curto prazo podem estar por vir. Na próxima semana, o prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda, líder da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), deve voltar à carga em Brasília pedindo um acordo de renegociação da dívida das prefeituras nos mesmos moldes do vantajoso acordo fechado pelos Estados, com suspensão do pagamento por seis meses.

Não se trata de uma opção para Michel Temer: dada às circunstâncias, não havia outro caminho para o presidente interino. Temer não poderia ampliar a galeria já numerosa de seus inimigos sem ter um pilar no qual se sustentasse, sob pena de enfrentar fenômenos como uma greve geral do funcionalismo, gente se manifestando nas ruas e governadores e prefeitos articulando em favor de Dilma no Senado. A manutenção de uma meta fiscal com superávit levaria a este resultado ou a uma nova fraude fiscal semelhante às que selaram o destino de Dilma.

O ano de 2016 precisa ser um ano das concessões porque concretamente se disputa, de modo indireto, uma espécie de quarto turno da eleição presidencial de 2014. O desafio de Temer é maior que o de Itamar Franco em 1992. Na ocasião, o substituto de Fernando Collor subiu ao poder em uma conjuntura de consenso, uma vez que havia dois marcos em que a competição política poderia se dar dentro de marcos aceitos: o plebiscito entre presidencialismo e parlamentarismo, agendado para seis meses após o impeachment de então; e a eleição presidencial de 1994.

O lastro popular de Itamar era melhor logo em sua largada. Ao assumir, o então interino contava com 18% de aprovação para a sua administração. Em seu primeiro teste nas pesquisas, Temer obteve 11,3% de conceitos bom ou ótimo.
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Uma das inovações de caráter saneador que deve ser aplicado nas eleições municipais deste ano é a divulgação das doações de pessoas físicas a candidatos, pela internet, até 72 horas depois do ingresso de recursos. A ferramenta poderá deixar claro as limitações que a nova legislação eleitoral possui. O tempo de fiscalização será exíguo para a checagem de uma lista pulverizada de doadores para mais de 500 mil candidatos.

Na visão do Ministério Público Federal em São Paulo, poderemos assistir a um fenômeno de compra de CPFs, como antigamente havia o da compra de votos. A divulgação na internet permite a checagem, mas é possível voar abaixo dos radares. Não será possível cruzar dados, por exemplo, de doadores de campanha com contribuições inferiores a R$ 2,5 mil que sejam isentos do imposto de renda. "A gente não tem a ilusão de que teremos este ano a eleição mais limpa de nossa história", comentou o procurador regional Luiz Carlos Gonçalves.

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