domingo, 31 de julho de 2016

A mosca azul – Editorial / Folha de S. Paulo

O desastre nas contas públicas federais continuou evidente ao fechar-se o primeiro semestre. A despesa não financeira da União, de R$ 573 bilhões (19% do PIB) superou a receita em R$ 33 bilhões.

No segundo semestre, apesar da provável retomada discreta da economia, o buraco fiscal vai se aprofundar. A meta do Planalto é fechar o ano com um deficit de R$ 170 bilhões, cerca de 3% do PIB, de resultado primário (saldo antes de computada a despesa com juros).

Isso ocorrerá porque a arrecadação de tributos, que recuou 7,3% em termos reais no primeiro semestre deste ano em relação à metade inicial de 2015, manterá tendência de queda, quem sabe um pouco menos pronunciada.


A debilidade do emprego formal deixará deprimida ainda por vários meses a receita previdenciária. A recuperação empresarial, sobretudo na indústria combalida, costuma demorar a repercutir nos cofres públicos após uma profunda recessão, como a que aflige o país.

O que não vai dar trégua, se nada for feito, será a escalada das despesas obrigatórias que respondem por 90% do gasto federal. A maior rubrica, a da Previdência, expandiu-se 5% acima da inflação no primeiro semestre de 2016, a contrapelo dos outros indicadores numa economia em depressão.

Entre o primeiro semestre de 2011 e este de 2016, o pagamento de aposentadorias, pensões e demais benefícios previdenciários aumentou 27%, já descontada a inflação acumulada no período. A atividade econômica nacional, de seu lado, regrediu cerca de 6% no mesmo intervalo.

Já causa incômodo a fleuma do governo provisório de Michel Temer (PMDB) diante do descalabro nas contas públicas. O teto de gastos, cuja aprovação parece ser a única promessa deste ano na área fiscal, não é terapia que desobstrua a principal artéria da finança federal, justamente a Previdência.

Para piorar, Temer tem sido pródigo em reajustes para servidores públicos. Na última concessão, acenou com 37% de aumento para delegados da Polícia Federal.

Os juros, advertiu o Banco Central, não cairão antes de ser equacionado o nó das contas da União.

Se o custo do dinheiro permanecer elevado por muito mais tempo, uma onda de quebras de empresas endividadas não poderá ser descartada. Esse risco já se prenuncia na alta de provisões contra calotes nos balanços dos bancos que fornecem crédito às companhias.

A complacência de Temer e seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, na área fiscal sugere que foram picados pela mosca azul da ambição eleitoral em 2018. Se não baixarem os olhos para o chão acidentado logo à frente, vão tropeçar.

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