sexta-feira, 15 de julho de 2016

A queda e a espera - Míriam Leitão

- O Globo

Na economia, a reação à decisão na Câmara foi positiva e isso se refletiu nos indicadores mais voláteis do mercado, como a bolsa e o dólar, mas no meio da manhã já veio mais uma notícia desanimadora: o índice de atividade econômica calculado pelo Banco Central foi pior do que o projetado pela média do mercado. O 0,5% de queda — abaixo do -0,24% da média das previsões — indica que o PIB cairá no trimestre.

A visão positiva sobre a eleição do deputado Rodrigo Maia à presidência da Câmara é resultado de uma soma de percepções. Foi mais uma vitória parlamentar do governo interino, apesar do processo meio tumultuado em que houve uma forte fragmentação da base aliada. No conflito, o governo conseguiu esvaziar a candidatura de Marcelo Castro, que fora articulada pelo ex-presidente Lula. No segundo turno, enfrentaram-se dois governistas e venceu o mais comprometido com a agenda de reformas.


Se o governo Michel Temer for confirmado em agosto — no cenário de aprovação do impeachment da presidente Dilma — a agenda que será defendida exigirá um trabalho intenso no Congresso, porque são medidas amargas e este é um ano eleitoral. O primeiro dos itens é o teto de gastos.

A secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, define essa PEC do teto de gastos como “uma agenda importantíssima para o ajuste fiscal”, que, segundo ela, consolida o compromisso com a volta do equilíbrio. Mas quando o país sai do vermelho? Eu perguntei isso a ela, num programa exibido ontem na GloboNews:

— Nosso horizonte é reequilibrar as contas em 2019. Trabalhamos para ter lá o déficit zero. Cada ano o déficit será decrescente. A PEC do teto dos gastos não é o único instrumento, mas a partir dela vamos ter mais capacidade de decisão sobre as despesas e fazer escolhas.

A retomada da economia depende desse horizonte fiscal e, pelo que diz a secretária do Tesouro, não será nem em 2018. O déficit primário será zero só em 2019. E isso se todos os projetos de limitação e mudança de gastos forem aprovados. Se a Câmara dos Deputados deixar de ser o foco da instabilidade e crise que foi na tumultuada gestão de Eduardo Cunha, já será um avanço.

Na economia, tudo funciona assim: se os empreendedores e os investidores têm um horizonte crível de solução dos problemas, isso é trazido a valor presente, ou seja, já começa a melhorar agora. Se o investimento privado subir, há possibilidade de queda do desemprego, o que reduz a tensão na economia.

Há alguns sinais de melhora da confiança e de certos indicadores econômicos, mas o país teve esta semana três banhos de água fria.

Vieram mais negativos do que o esperado os dados do índice de vendas do varejo, o índice do setor de serviços, e ontem o IBC-Br. Os economistas começam a piorar a projeção do PIB do segundo trimestre, que deve ser outra queda, de 0,5%.

Ana Paula Vescovi alerta que é assim mesmo nas recuperações econômicas:

— Isso é normal em reversão de ciclo. Há sempre contradição de indicadores. Vamos transitar um pouco por isso. Temos expectativa de que o ganho de confiança vai se confirmar.

Os indicadores econômicos negativos da semana lembraram como é acidentado o caminho da recuperação econômica e isso torna mais urgente que o governo consolide seu projeto fiscal. No meio desse caminho há as contradições do governo Temer. Perguntei à secretária do Tesouro como um governo propõe um teto para os gastos, mas, ao mesmo tempo, eleva as despesas permanentes aprovando aumentos salariais. Ela repetiu que isso já estava negociado antes. “O governo fez uma escolha”, disse Vescovi.

De fato, fez. A escolha mais fácil. Por mais meritórios que sejam os aumentos salariais de certas categorias, o governo está neste momento no meio da travessia de um mar vermelho. E sem separação das águas. Os auditores fiscais — justo eles — estão em greve por não terem recebido o seu reajuste. Agora todos querem.

Na política, a esperança é que a Câmara aproveite a renovação para superar um tempo horrível e tratar a fratura na relação entre os eleitores e seus representantes. O novo presidente da Câmara nasceu no exílio. Sabe, de berço, a falta que a democracia faz.

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