quarta-feira, 13 de julho de 2016

A vida é muito curta para falar mal do Rio - Mônica Montone

• O espírito carioca está no cheiro de pipoca doce todo fim de tarde. Nas velhinhas de Copacabana que vão à hidroginástica de roupão e toalha na cabeça

- O Globo

Sempre considerei tola a rixa Rio x São Paulo, que, segundo Ruy Castro, em seu livro “O anjo pornográfico”, teve início nas redações dos jornais cariocas com a família Rodrigues. Acredito que as cidades dão aos seus habitantes o que deles recebem. As cidades, todas elas, são damas caprichosas, gostam de ser bem tratadas, bem amadas, admiradas. Gostam de ser cortejadas. Como diria Jorge Amado, “é preciso ter olhos de ver”, e não apenas enxergar, para merecer a beleza de uma cidade.

Todo grande centro urbano apresenta pobreza, desigualdade social, violência, sujeira, poluição, todo tipo de mazelas. Gente mal-educada, medíocre, incompetente, burra, burguesa e malandra tem em todo canto, e não é privilégio desta ou daquela cidade.

Moderninhos que frequentam bares e festas em zonas pobres somente pela “foto inclusão” no Instagram estão em todos os lugares.


Por essas e por outras, fiquei absolutamente surpresa quando, recentemente, vi inúmeros cariocas compartilhando nas redes sociais o texto de Mariliz Pereira Jorge intitulado “A vida é muito curta para morar no Rio”, publicado em sua coluna no site da “Folha de S.Paulo”.

Além de chamar os cariocas de incompetentes, Mariliz diz: “O Rio é só uma cidade decadente que vive de um glamour passado, num presente melancólico”. Ela acredita que o “espírito carioca” é sinônimo de conhecer os garçons pelo nome, frequentar o Jobi e ter conta na barraca da praia. Ou seja? Ela nunca conseguiu ver o Rio, apenas o enxergou.

O espírito carioca está no cheiro de pipoca doce que polvilha o ar todo fim de tarde. Nas velhinhas de Copacabana que vão à hidroginástica de roupão e toalha na cabeça nos presenteando com uma cena felliniana. Nas crianças vestidas de princesas e heróis nas esquinas, na alegria de mostrar a um amigo que vem pela primeira vez à cidade os Arcos da Lapa, o bairro de Santa Teresa e a muretinha da Urca. Está no jeito despojado de tratar um penetra numa festa com a mesma alegria ofertada aos amigos. Nas festas portuguesas da Cadeg. Nas barracas de flores da Cobal. No papo sobre futebol com o jornaleiro. No ensaio da União da Ilha. Na sensualidade dos corpos que se movimentam com a mesma graça dos felinos. No chinelo, na rua, no boteco pé-sujo, no papo descontraído na fila do banco. Na gratidão por estar vivo, ter saúde e olhos para poder contemplar o Aterro do Flamengo após o retorno de uma viagem com chegada no Santos Dumont — bem como na indignação com a camuflagem da pobreza nas linhas vermelhas e amarelas na chegada no Galeão.

O Rio está em sua pior fase? Sim, está. Os preços estão exorbitantes, nossos governantes nos envergonham, a Olimpíada nos parece uma grande piada, os aluguéis estão altíssimos, a violência aumentou, a saúde está um caos, os pobres estão cada vez mais pobres, e a classe média está arrochada. Mas isso tudo é um problema nacional — para não dizer mundial —, reflexo de uma crise avassaladora, corrupção e má administração de nossos representantes no poder.

O Rio continua e sempre será lindo! Não apenas porque sua beleza natural é exuberante, mas porque, mesmo no caos, o carioca encontra motivos para sorrir e ser feliz — e quer beleza maior que essa?

São poucas as pessoas que podem dizer: realizei o sonho da minha vida. Eu, felizmente, posso! Sonhei a vida toda em viver no Rio. Vivo. E desde que vivo acho que estou sonhando, mesmo quando algum sobressalto (como um assalto) me acontece. Foi mal, galera do contra, mas eu amo o Rio.
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Mônica Montone, paulista, é escritora

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