quarta-feira, 6 de julho de 2016

Aumento no número de doutores ainda é insuficiente – Editorial / Valor Econômico

O Brasil está formando mais doutores e mestres. A informação do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, publicada pelo Valor na sua edição do dia 5, é uma boa notícia. Não há dúvidas de que é essencial para o crescimento econômico de um país que sua população tenha uma boa formação - e isso inclui obviamente a oferta de cursos de mestrado e de doutorado.

Segundo esse levantamento, em 2014 o Brasil formou 50,2 mil mestres e 16,7 mil doutores. Na comparação com 1996, o crescimento foi muito expressivo: a expansão de títulos concedidos em mestrado e doutorado nesses 18 anos foi, respectivamente, de 379% e 486%.

Dois aspectos dessa tendência chamam a atenção. Houve uma descentralização geográfica na formação dos pesquisadores: a região Sudeste deixou de ser a única formadora de mestres e doutores do Brasil, graças à expansão de centros acadêmicos pelo interior no país. Entre os 10 Estados que tiveram maior aumento na titulação de pós-graduados, dois são da região Nordeste e sem grande destaque no panorama nacional pela pujança econômica, Rio Grande do Norte e Paraíba. Esse aumento pode ser atribuído à instalação de universidades fora do eixo Rio-São Paul-Brasília e fora também das grandes cidades do interior.


Outro movimento importante detectado pelo estudo mostra que os doutores brasileiros ficaram mais jovens, em torno dos 37 anos de idade; o que significa que eles chegam mais cedo ao mercado de trabalho e têm vida produtiva mais longa.

Esses avanços não indicam, porém, que o Brasil tenha resolvido seus problemas de formação de mão-de-obra altamente especializada e capaz de produzir trabalho criativo e com elevada dose de inovação. Apesar da melhora substancial observada nas duas últimas décadas, como resultado de mais investimentos na formação de pós-graduados, o documento "Mestres e Doutores 2015: estudos da demografia da base técnico-científica brasileira" demonstra que o país continua muito atrás do que ocorre em outras regiões do mundo. Em 2013, por exemplo, a média brasileira foi de 7,6 doutores formados para cada grupo de 100 mil habitantes. Entre os países da OCDE, só México (4,2) e Chile (3,4) apresentaram desempenho inferior ao Brasil.

O número é bem maior em países desenvolvidos, como os Estados Unidos (20,6), a Alemanha (34,4) e Reino Unido (41), e até mesmo em países em desenvolvimento, como a República Eslovaca (39,1), a Estônia (17,6) e a Turquia (11,5), indica o texto da jornalista Ligia Guimarães, do Valor.

O problema, além disso, não é apenas de quantidade de mestres e doutores formados no país. O estudo "Formação de doutores no Brasil: o esgotamento do modelo vigente frente aos desafios colocados pela emergência do sistema global de ciência", de Milena Yumi Ramos e Lea Velho, ambas da Universidade Estadual de Campinas, expõe outras dificuldades mais sérias da formação de cientistas.

As autoras do trabalho apontam que a colaboração internacional tornou-se norma na ciência contemporânea. "Isso decorre da crescente dispersão da capacidade científica e tecnológica pelo mundo e da crescente incorporação de conhecimento pelos setores produtivos. A ciência continua a ser produzida em centros de excelência localizados nas cidades líderes. Desde a década de 1990, o que tem acontecido é o aumento do número e do nível de interconexão entre esses centros, agora em países não tradicionais, tais como países do leste europeu, Coreia do Sul, China, e, em menor grau, Índia e Brasil, caracterizando a emergência do sistema global de ciência."

Com isso, as características exigidas dos pesquisadores se ampliaram - eles precisam "desenvolver novas competências, em adição ao conhecimento científico especializado, que incluem habilidades e conhecimentos mais gerais e transferíveis, como capacidade de negociação coletiva, de coordenação de redes heterógeneas e dispersas de atores, de gestão do processo de pesquisa, de empreendedorismo e resolução de problemas, de apropriação intelectual e comunicação social dos resultados". No Brasil, no entanto, ainda predomina o modelo único de formação doutoral orientado à carreira e ao desempenho acadêmico, indicam as pesquisadoras da Unicamp. Ou seja, além de investir no aumento de doutores e mestres, o país precisa repensar sua formação.

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