terça-feira, 5 de julho de 2016

Brexit: Para Vacca, “crise europeia pode impulsionar novo pacto social na Itália”

- Gramsci e o Brasil

Para o presidente do Instituto Gramsci, Giuseppe Vacca, a crise aberta com a vitória do Brexit não fornece motivos para um aumento da depressão, mas sim para um relançamento do projeto constitutivo do Partido Democrático italiano e a ação dos governos democráticos. A situação não é rósea para a esquerda na Itália e na Europa e provavelmente em nenhuma parte do mundo. «Estamos há dez anos diante da necessidade de confrontar a grande depressão, que não é somente uma questão de política econômica, mas também um problema de déficit das instituições políticas supranacionais”, diz ele. “Foram dez anos de crise que ampliaram o mal-estar, a exclusão e também a desconfiança e a rebelião no que diz respeito à Europa. A Inglaterra é um caso em si, certamente, mas com as devidas distinções o problema está presente em todos os países europeus”.

• Muitos dizem que a única estrada para salvar a UE consistiria em relançar o “sonho europeu”, o ideal federalista, a Europa dos pais fundadores. Concorda com esse ponto de vista?

Nunca me ocupei muito com sonhos, a não ser nos quatro anos em que fiz uma ótima terapia psicanalítica. O federalismo é uma retórica como outra qualquer. A narrativa correspondente a uma construção ainda mais aprofundada e mais eficaz de uma soberania supranacional é um problema aberto. Se for útil empregar a retórica federalista, que se faça isso. O ponto decisivo é fazer com que ela corresponda a alguma coisa.

• O que se deve, na Itália, buscar em termos de correspondência?

Na Itália, país em que não obstante tudo o impulso antieuropeísta é menos forte, abre-se a possibilidade de que se desenvolva o que houve de melhor nas ações governamentais dos últimos dois anos, precisamente porque a precipitação da crise da EU fornece mais oxigênio à inspiração europeísta do PD, algo que está em seu DNA graças às culturas políticas que o constituíram. Estamos tentando fazer isso há dois anos: é preciso fazê-lo com mais decisão, até porque a Itália não se confronta somente com as tendências desagregadoras que sacodem todos os países da Europa, mas também com problemas que são exclusivamente seus. Problemas denation building e State building típicos da “história longa” dos italianos.

• Como enfrentar isso, concretamente?

Devemos impulsionar a reconstrução dos laços sociais. Devemos ser mais corajosos e determinados em aplicar a Constituição à vida interna dos partidos. Legislar para que os sindicatos tenham uma vida democrática que lhes relegitime a representação e a ajude, que favoreça a emergência de um sindicato unitário que seja interlocutor de todas as grandes políticas econômicas e sociais do país. 

Quando, com razão, se lamenta a crise dos corpos intermediários, esquece-se de que a crise diz respeito a todo o arco da representação de interesses. Nem sequer a Confindustria, o sindical patronal, é mais aquela que já foi um dia. Nem sequer o movimento das cooperativas, que é uma grande força, está beneficiado em sua missão tradicional, que é a de ser uma pilastra da economia social de mercado. Deste ponto de vista, a Itália é um caso particular dentro da Europa, porque enfrenta uma exigência de renovação dos fundamentos do sistema político e da sua constituição material, além da sua constituição formal, o que compõe um belo pacote de reformas que podem ser levadas a referendo.

• Isso não traz consigo o risco de impulsionar um “Italexit”, uma saída da Itália da UE?

Paradoxalmente, esse risco pode ser atenuado com a abertura de uma crise aguda na Europa, diante da qual o atual partido central de governo pode se movimentar por todo o campo rumo a um novo pacto com os italianos e entre os italianos, um pacto sobre o sistema político, o sistema das organizações de interesse, a governabilidade, indo além da reforma das relações entre Estado central e Regiões. Em suma, vejo a abertura de um campo bastante amplo para uma iniciativa nacional de reconstrução, como a que está inscrita no DNA do PD.

• Alguém poderia dizer que seu discurso é politicista, que o problema da esquerda está nas periferias…

Não sei se o problema está nas periferias. Mas penso que não é um acaso que aqueles que se ocupam com as periferias o façam só demagogicamente. Em condições de escassez de recursos e depois que implodiram todas as redes de proteção social – ao ponto em que hoje as únicas que funcionam são as da criminalidade organizada –, o problema é descobrir como manter unido aquilo que antes se conseguia manter unido com os instrumentos do Estado-nação democrático europeu.
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Entrevista realizada pelo jornalista Francesco Cundari e publicada em L’Unità, Roma, 25 de junho de 2016. Publicada em português na página do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais do Ippri/Unesp.

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