terça-feira, 5 de julho de 2016

Lava-Jato: centro de pesquisa teve desvio de R$ 39 milhões

Propina destinada a tesoureiro do PT irrigou até escola de samba, segundo PF

A Lava-Jato revelou ontem esquema que, segundo os investigadores, desviou R$ 39 milhões da obra do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes), no Rio. Parte dos recursos ilícitos teria sido repassada ao ex-tesoureiro do PT (entre 2005 e 2010) Paulo Ferreira. Além de abastecer campanhas petistas, a propina irrigou, de acordo com a PF, o caixa de uma escola de samba em Porto Alegre e as contas de uma rainha de bateria ligada a Paulo Ferreira. O ex-tesoureiro do PT teve novo pedido de prisão decretado. Ele, porém, já está preso desde a semana passada, pela Operação Custo Brasil. A WTorre, que apresentou preço menor na disputa pela obra, teria recebido R$ 18 milhões de outras empreiteiras para desistir da disputa, o que a empresa nega.

Propina em cadeia

• WTorre teria recebido R$ 18 milhões de cartel para desistir de obra da Petrobras

Renato Onofre, Cleide Carvalho - O Globo

-SÃO PAULO- As investigações da Operação Lava-Jato chegaram ontem ao pagamento de propina na expansão do principal polo de tecnologia da Petrobras: o Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes), na Ilha do Fundão, no Rio. A obra rendeu R$ 39 milhões em propina a funcionários da Diretoria de Serviços da estatal e ao PT. Os recursos ilícitos, além de abastecerem campanhas políticas, foram repassados a uma escola de samba e a uma rainha de bateria ligadas ao ex-tesoureiro do PT Paulo Ferreira (entre 2005 e 2010), um dos alvos da operação. A nova fase revelou ainda a primeira propina paga entre empresas privadas: vencedora da licitação, em setembro de 2007, para as obras no Cenpes, a WTorre, segundo os investigadores, recebeu R$ 18 milhões da OAS, em nome de cartel, para desistir de participar.

Paulo Ferreira, que havia sido preso na semana passada na Operação Custo Brasil (acusado de participar de um esquema de pagamento de propina ligado ao Ministério do Planejamento), teve prisão preventiva novamente decretada. Além dele, foram presos temporariamente Edson Freire Coutinho, exexecutivo do Grupo Schahin, e o vicepresidente da Construcap Roberto Ribeiro Capobianco. O juiz Sérgio Moro autorizou também as prisões temporárias de Erasto Messias da Silva Jr., da construtora Ferreira Guedes, e Genesio Schiavinatto Jr., da Vetor 2 Engenheiros Associados, mas eles não foram localizados. Foram expedidas ainda sete conduções coercitivas, entre elas a do presidente da WTorre, Walter Torre, e 22 mandados de busca e apreensão.

A força-tarefa da Lava-Jato mapeou um cartel formado pelas construtoras Carioca Engenharia, OAS, Construbase, Construcap e Schahin Engenharia para controlar a licitação de três obras da Petrobras em 2007: uma sede administrativa em Vitória, o Centro Integrado de Processamento de Dados e o Cenpes, ambos no Rio. A negociata foi revelada pelo GLOBO em julho de 2015, quando mostrou que a obra estimada em R$ 850 milhões chegou a R$ 1,8 bilhão depois de 17 aditivos.


Desistência de licitação
Em troca da obra, o consórcio repassou propina através de operadores a Ferreira e ao ex-gerente de Serviços da Petrobras Pedro Barusco. Em delação premiada, o ex-vereador petista e operador Alexandre Romano afirmou que Paulo Ferreira indicou as empresas envolvidas no cartel que repassariam dinheiro para a campanha dele. Entre 2009 e 2012, os valores teriam alcançado R$ 1,5 milhão, dos quais cerca de R$ 1 milhão relacionado ao Cenpes. Romano repassou o dinheiro a familiares de Ferreira, blogs aliados, para a escola de samba Estado Maior da Restinga, de Porto Alegre, e para rainha de bateria da agremiação, Viviane Rodrigues.

Com a propina, Romano também comprou por R$ 72 mil uma Pajero de Giselda Lima, mulher de João Vaccari Neto, também ex-tesoureiro do PT, que sucedeu a ele no posto, já condenado pelo esquema de corrupção da Petrobras.

Para os investigadores, a participação da WTorre revela a primeira corrupção privada dentro da Lava-Jato. A empresa foi quem ganhou pela primeira vez a licitação do Cenpes, mas não levou. Em delação, o executivo da Carioca Ricardo Pernambuco disse que a WTorre aceitou propina de R$ 18 milhões para se retirar da disputa e permitir que o consórcio Novo Cenpes firmasse o contrato.

— Nós estamos no abismo da corrupção — afirmou o procurador da República Deltan Dallagnol em entrevista ao programa “Estúdio I”, da GloboNews, justificando o nome dado à operação.

— Este caso causa maior indignação porque envolve uma corrupção privada. Estamos diante de um quadro em que, infelizmente, a corrupção não está restrita ao setor público, se alastrou no setor privado — disse o procurador da República Júlio Noronha.

Os repasses de propina na obra do Cenpes revelam uma rede de operadores que atuaram nos principais esquemas revelados recentemente pela PF.

— As três operações da última semana, Saqueador, Custo Brasil e a de hoje são ramos de uma mesma árvore — afirmou Dallagnol: — Juntas formam um ícone da recente articulação da Justiça que começa a cercar em diversas frentes de investigação megaesquemas criminosos de desvio de dinheiro público que se interconectam.

Em nota, o Grupo Schahin e a Construbase afirmam que estão prestando esclarecimentos às autoridades. O Grupo WTorre nega ter recebido qualquer valor referente à obra de expansão do Cenpes ou a qualquer outra obra pública. As construtoras OAS, Carioca e Construcap não se manifestaram.

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