domingo, 3 de julho de 2016

Relator pede bloqueio de R$ 198 milhões por fraude no Maracanã

• TCE decidirá terça se pune empreiteiras e congela repasses futuros

José Graciosa, responsável pelo caso, pede a condenação da Odebrecht e da Andrade Gutierrez; segundo delator, reforma rendeu propina ao tribunal e a Sérgio Cabral

O Tribunal de Contas do Estado decidirá na terça-feira se a Odebrecht e a Andrade Gutierrez terão R$ 198 milhões bloqueados, em contratos com o governo do Rio, como punição por irregularidades na reforma do Maracanã, contam Chico Otavio e Juliana Castro. O conselheiro José Gomes Graciosa, autor do pedido, é relator dos processos. Em delação, executivo da Andrade disse que o TCE e o ex-governador Sérgio Cabral receberam propina pela obra, que foi orçada em R$ 705 milhões, mas custou R$ 1,2 bilhão.

Na marca do pênalti

• Relator no TCE propõe que empreiteiras tenham R$ 198 milhões bloqueados por fraude no Maracanã

Chico Otavio e Juliana Castro - O Globo

O Tribunal de Contas do Estado (TCE) decidirá terça-feira se bloqueia R$ 198 milhões em contratos das empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez com o governo fluminense, incluindo a participação delas em consórcios da Linha 4 do Metrô e do BRT Transolímpico. A punição será pedida pelo conselheiro José Gomes Graciosa, relator dos processos no tribunal sobre a reforma do Estádio do Maracanã para a Copa do Mundo de 2014, por conta de irregularidades encontradas na obra.

A sessão plenária acontecerá dias após a divulgação de trecho da delação premiada de Clóvis Renato Numa Peixoto Primo, ex-dirigente da Andrade Guitierrez, na qual ele afirma ter autorizado o pagamento de propina para o TCE no valor de 1% do contrato do Maracanã, reformado por um consórcio formado pela Andrade Guiterrez, pela Odebrecht e pela Delta. Na mesma delação, ele também disse que pagou 5% de propina ao ex-governador Sérgio Cabral.

Pelo contrato original, o governo do estado deveria ter pagado R$ 705 milhões pela reforma, mas a inclusão de 16 aditivos fez a obra saltar para R$ 1,2 bilhão. Entre 2010 e 2014, o TCE instaurou 21 processos para analisar o contrato, os 16 aditivos e o resultado de quatro auditorias especiais da obra. Embora os auditores do tribunal tivessem apontado irregularidades e pedido a devolução de R$ 93 milhões (à época), até hoje o TCE não havia tomado qualquer decisão sobre o assunto.

Auditorias detectaram sobrepreço
A retomada do caso coincidiu com a criação de uma força-tarefa no Ministério Público Federal do Rio para investigar os desdobramentos da Operação Lava-Jato no estado. A primeira providência do TCE foi unificar as relatorias dos processos, até então distribuídas para conselheiros diversos (oito estavam sem designação), nas mãos de Graciosa. Em seguida, tiveram de esperar um prazo de 15 dias úteis até a sessão de terça-feira, na qual o relator levará o seu voto.


O pedido para o bloqueio de R$ 198 milhões das empreiteiras do consórcio se baseia em 11 irregularidades listadas nos relatórios de auditorias. Entre elas, a atestação e o pagamento de itens duplicados, a realização de serviços desnecessários e fictícios, além de sobrepreço de materiais e problemas detectados nas rampas e arquibancadas do estádio.

No relatório, Graciosa pede esclarecimentos sobre os sucessivos reajustes na obra ocorridos em períodos inferiores a 12 meses, em desacordo com lei que dita que a periodicidade do reajuste de preços nos contratos administrativos é de um ano. Ainda no texto, o relator cita que a elaboração de projeto básico, de forma imprecino sa, não foi baseado em estudos preliminares adequados à importância da obra, o que acarretou significativas modificações entre o projeto básico e o executivo.

“O objetivo, como se vê, não era, apenas, a realização de um evento futebolístico, mas propiciar o farto desperdício de dinheiro público, o que, certamente, contribuiu em muito para as dificuldades que hoje atravessam os estados que sediaram estes eventos desportivos. É inegável e inevitável a afirmação de que melhor seria se o Estado do Rio de Janeiro, um dos Estados sedes da Copa do Mundo, tivesse gasto 1,2 bilhão de reais na saúde e educação”, diz o relator no texto.

O Estado do Rio passa por dificuldades financeiras e não tem conseguido pagar em dia os servidores. O governo decretou estado de calamidade pública por conta da crise financeira.

Entre as obras no Rio em que a Odebrecht e a Andrade Gutierrez estão envolvidas, em consórcio com outras empreiteiras, estão o BRT Transolímpico e o Parque Olímpico da Barra. A Andrade Gutierrez participa ainda da despoluição das Lagoas da Barra e a Odebrecht, da Linha 4 do Metrô e do Porto Maravilha.

Em seu parecer, o Ministério Público que atua TCE questionou se a retenção do dinheiro como garantia para pagar as irregularidades aconteceu, como havia sido indicado nas auditorias. O relator pede que a Secretaria estadual de Fazenda esclareça se isso ocorreu. O Ministério Público também quer saber o montante de compromissos financeiros (financiamentos, empréstimos e quaisquer outras operações de crédito) assumidos pelo Estado do Rio visando à captação de recursos para a execução de obras relacionadas à Copa do Mundo ou aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos.

Estádio já tinha passado por duas reformas
Os técnicos do TCE já haviam demonstrado em relatórios a preocupação com o desperdício de dinheiro público empregado no estádio. Eles apontaram que o Complexo do Maracanã já havia sofrido duas reformas, antes das obras para a Copa do Mundo de 2014 — uma reforma geral em 1999, na qual foram gastos R$ 54, 3 milhões, e outra para adequação aos Jogos Pan-americanos de 2007, que custou R$ 272,3 milhões aos cofres públicos. O relatório dos técnicos do tribunal acrescenta que, com as obras para a Copa do Mundo, quase todos os serviços realizados nas duas reformas anteriores foram perdidos.

“Essa perda ocorreu, principalmente, através de demolições do que havia sido construído e retirada de materiais e equipamentos recém instalados, que não serão mais utilizados no estádio”, afirmam os técnicos em um dos relatórios de auditoria.

Os técnicos temiam que o estádio precisasse passar por nova reforma para a Olimpíada do Rio, gerando novos gastos por conta de uma falta de planejamento. Um dos relatórios chega a dizer que, se houvesse necessidade de outra reforma significativa no Maracanã para os Jogos Olímpicos, o então secretário estadual de Obras, Hudson Braga, e o então vice-governador Luiz Fernando Pezão deveriam ser responsabilizados.

“Lamentável constatar que todo esse estado de coisas deriva, de forma clara, da falta de planejamento e do despreparo do gestor público na escolha das prioridades do Governo. O Estado do Rio de Janeiro optou pelo binômio ‘pão e circo’, ao invés de analisar, já naquela oportunidade, que se desenhavam enormes dificuldades de alcançar as metas de sua execução orçamentária”, diz Graciosa no texto.

A Andrade Gutierrez e a Odebrecht tiveram ex-executivos envolvidos no esquema de corrupção na Petrobras investigados na Lava-Jato. Os ex-presidentes da Andrade Gutierrez Otavio Azevedo e da Odebrecht Marcelo Odebrecht foram presos na mesma fase da operação. Azevedo está atualmente em prisão domiciliar enquanto Odebrecht segue preso em Curitiba.

Procuradas, as duas empresas disseram que não comentariam o assunto.

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